sábado, 22 de dezembro de 2007

Pagode me gusta mucho! - Eugênia Kós

Foi um numero que seduziu Hoachim ...2469...
Numero comum, sem grandes significados...mas não para Hoachim.
Quando ele me encontrou naquela loja chiquézima em Madrid eu reluzia no salão da loja. Sou uma autentica “Barcelona” e, Uma excelente (pra não me desgastar em elogios) criação de Mies van der Rohe (1886-1969), que mais do que qualquer outra, imortalizou este arquiteto como grande ícone do Design do século XX. Além de atuar como professor e diretor da Bauhaus, primeira escola de Desenho Industrial, Mies também é criador de uma das frases mais famosas no design que se aplica até hoje em qualquer área, "Less is more" (Menos é mais).
As mãos bem tratadas de “Ho” alcançaram displicentemente a minha etiqueta e ele viu meu numero enquanto esticava o pescoço para admirar uma moderníssima luminária pendurada no teto que pretendia comprar para Hanz. Ele se apaixonou por mim e me comprou por um preço imperial!
Fiquei tão ansiosa e insegura como noiva de casamento arranjado, afinal não conhecia meus proprietários nem sabia onde ia morar, não conhecia Paris...mas cadeiras não tem opinião.
Fui cuidadosamente encaixotada e despachada para a casa de Hanz e Hoachim.
Em silencio, no centro da sala, encaixotada escutei a chave introduzida na porta. A porta se abriu.
- Cherie, já almoçou ? Nossa, que caixote enorme é esse? Noooosssa, veio daquela loja em Madrid! O que você comprou? Nem me disse nada! O que é, o que é ? Conta looogo!
-É pra você! Abra! Meu presente de aniversário!
- Jura?!!! Ah, querido, o que é?
E foi rasgando os papéis dourados que Ho usara para embrulhar o caixote ...
- Se não gostar pode trocar...
Fitas cortadas, martelo arrancando pregos, bolinhas de isopor por todo o apartamento, os yorks latiando excitados e os risos alegres de ambos. Quando eu finalmente surgi vi os olhinhos azuis de Hanz brilhando
- Uma cadeira Barcelona!!! Autentica!!!Obrigado, querido! Adorei! Sempre quis ter uma assim aqui em casa!
Ele acariciava as minhas almofadas, os yorks pularam sobre mim fazendo cócegas, todos ríamos felizes..
- Toda cromada, que acabamento! Estofamento de pele de cabra! Esse tom de havana é perfeito, combina tão bem com nossa sala! Adoramos!
Hanz abraçava Hoachim com entusiasmo, a sua felicidade era tão contagiante que me senti uma cadeira muito sortuda.
- Observe o numero de serie!- disse Hoachim
Hoachim mostrava uma das tábuas do caixote com o numero estampado, idêntico ao do certificado e da gravação na estrutura cromada.
- 2469! Incrível! Dois de abril de mil novecentos e sessenta e nove, nosso aniversário! Como foi que você encontrou essa jóia?
- Eu não resisti, tinha que comprá-la para nós. Entrei na loja por causa daquela luminária que você se apaixonou na nossa ultima passagem por Madrid, lembra? Mas quando vi a cadeira...
Hanz dava pulinhos de alegria e me arrastou até um lugar de destaque na sala, bem defronte à janela, sobre um belíssimo tapete. Ao longe eu podia admirar a Torre Eiffel. Sobre mim eles dispuseram uma bela almofada de brocado com o monograma do casal bordado em ouro: “H&H”. A coté um baú de sândalo chinês apoiando vaso de raras orquídeas tagarelas que repetiam as histórias vividas em um distante país tropical.
Todas as peças da sala eram estrangeiras. Eu só entendia a lingua das orquídeas, bem parecida com o meu castelhano, fora elas eu não tinha com quem conversar...o tapete falava persa, o baú era chinês, a mesa da sala de jantar era uma sueca gelada, a luminária era russa...Tudo muito lindo mas eu estava deprimida, nada acontecia além das reuniões onde todos circulavam entre betises tilintando cubos prateados de gelo. Ninguém se sentava em mim...eu não era um quadro, gostava de participar, sentia saudades dos tempos da minha infancia vivida na loja em Madrid...
Um dia Hanz e Hoachim brigaram, Hoachim foi embora e levou os yorks... Hanz chorou por meses e meses e meses...eu também, quase enferrujei!
Quando Hanz parou de chorar novas festinhas começaram, sons de bossa nova, um sambinha aqui, um chorinho ali e numa dessas pautas surgiu o Jodilson, um brasileiro. Acariciava o cavaquinho nos bares da Lapa quando foi convidado para se apresentar em Paris. Simpático, moreno de praia, sedutor e animado. O brasileiro foi ficando, cantando, tocando e fazendo Hanz sorrir novamente. Eu também. Logo a casa ficou animada, cheia de pessoas coloridas e balouçantes...a ópera foi substituída por samba e pagode, os copos de cristal por copos de caipirinha.
Jodilson tinha uma irmã, a querida Mariceia, porta-bandeira vitalícia da Magnífica Escola De Samba Abolidos do Irajá. Ela também viera a Paris com a Escola para sambar nos salões parisienses e esquentar o frio inverno da cidade-luz. Num dia de descanso Hanz ofereceu uma “feichoade” à cunhada e aos passistas da escola e, depois de muitos copos, cansada dos saltos astronômicos Maricéia se “ajogou” sobre minhas almofadas para descansar a morenice.
- Cruz credo Hanz, que cadeira mais gostosa!- aconchegou-se suspirando.
O alemão, querendo agradar o namorado Jodilson por tanta felicidade e por te-lo feito esquecer o antigo amor, me presenteou imediatamente para a Mariceia!
Entre pandeiros e cuícas fui novamente despachada de Paris direto para Abolição, Rio de Janeiro, Brasil! Maior calorão, muita cantoria, vozes por todos os lados...No início fiquei assustada mas logo me acostumei.
O marido da Mariceia, um negão muito simpático chamado Jorjão, não gostou do cromado da minha estrutura porque lembrava o pára-choque do seu fenêmê, conseqüentemente lembrava trabalho e esse não era o forte do negão...então ele convenceu Mariceia a deixá-lo me pintar.
Voltou da esquina com as mãos cheias de lixas e trinchas, varsol, estopa, uma latinha de zarcão e outra de tinta esmalte azul real. Estendeu folhas de jornal no chão do quintal e me atacou, arranhou todo o cromo com lixa 120, me besuntou de zarcão laranja, abriu uma cerveja para esperar o zarcão secar e na hora da tinta... borrou de azul as lindas almofadas de pele de cabra havana...
- Xiii, a gostosa vai me matar...
Esse era o apelido “caseiro” da Mariceia por causa da sua cintura fina, quadris largos e o glorioso derriere de passista de pedigree!
Logo ela veio flutuando sobre seus tamanquinhos de verniz que expunham pezinhos bem tratados com unhas pintadas de vermelho-paixão, eu escutava de longe os saltos de madeira marcando os passinhos no chão.
- Nêgo, afasta...Deixa eu ver como tá ficando... JORJÃO!!! você borrou as almofadas! E agora?
- Ah, Gostosa, num briga comigo não...olha só que azulão bonito! Já tenho a solução! Eu já tava até achando mermo que a gente devia fazer umas almofadas coloridas, essas aí não combinam com o nosso “cafôfo”, que vc acha?
- Taí, meu nêgo, gostei da sua ideia! Acho que a cadeira vai ficar muito mais bonita!
Mariceia chamou uma colega para dar opinião, mediram as almofadas e tomaram o rumo de Madureira. Voltaram com um chitão florido e convocaram a costureira da Escola que produziu minhas novas almofadas. Fiquei um espetáculo! Depois da reforma do Jorjão fui aceita pela comunidade e meu numero de serie virou piada lá no bairro. Agora todos sentam em mim durante as famosas feijoadas da Mariceia lá na Abolição.
Ah, e o pagode?
-Pagode me gusta muchissimo!
Hanz, que aparece todo carnaval com Jorjão, me encontrou azulona e achou lindo!
- Que crriatifo, Marriceia! Adorrei esse tecido florrrido! Tão carrrnavalesque! Marravilha!
Logo a batucada recomeça, as caipirinhas alegram a galera e gente, eu tô muito feliz!!!






Cadeira Barcelona
Márcia Almeida, JBblog

Uma excelente criação de Mies van der Rohe (1886-1969), que mais do que qualquer outra, imortalizou este arquiteto como grande ícone do Design do século XX. Além de atuar como professor e diretor da Bauhaus, primeira escola de Desenho Industrial, Mies também é criador de uma das frases mais famosas no design que se aplica até hoje em qualquer área, "Less is more" (Menos é mais).

A cadeira Barcelona foi desenhada especificamente para mobiliar o pavilhão alemão na Feira Mundial de 1929, em Barcelona. Mesmo já tendo várias outras criações, Mies insiste em algo novo devido as exigências que tinha em mente. A cadeira deveria condizer com a idéia de que um pavilhão nacional representava um lugar onde se celebram valores coletivos. Mies adota como referência a sella curulis, cadeira de Estado da antiga Roma, emblema de poder imperial. Já como obra de arte, expressa duplo caráter - graça e dignidade. Uma aula de design clássico, simplicidade e beleza.

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