sábado, 9 de fevereiro de 2008

A Cadeira Extra - Ana Lidia Pimentel

Nasci igualzinha às minhas sete irmãs. Num total de oito, éramos muito orgulhosas de nossa linhagem, afinal de contas, nascemos por encomenda. Made in Brazil sim, mas no século XIX!
Uma coisa que nunca entendi em criança era o porquê de sermos oito, se à volta daquela linda mesa de jantar de mesma origem e idade, só ficavam seis de nós. Duas de nós sempre ficavam nos cantos da sala de jantar, geralmente ladeando um belíssimo aparador. Depois descobri que eu era uma cadeira extra. Se aparecesse visita, lá estava eu, pronta para acomodá-la. Ainda posso sentir o cheirinho daquelas comidas deliciosas. Poucas vezes provei delas e assim mesmo através de pedacinhos que caíam acidentalmente sobre mim devido à imperícia das crianças no manuseio dos talheres. O Pai sentava-se à cabeceira, duas meninas de um lado e dois meninos de outro. Na outra cabeceira sentava-se minha dona, mãe e esposa amantíssima. Como era gentil aquela senhora, uma dona-de-casa para ninguém botar defeito. Nunca nos arrastou ao sentar-se à mesa. Já com as crianças, era um terror. Acho mesmo que ficamos mais baixinhas de tanto que nos arrastavam fazendo uma verdadeira raspagem em nossos pés. As nossas pernas ficavam bambas e nossa dona por incontáveis vezes teve que chamar o Sr. Antônio, o marceneiro, para consertar-nos. O Sr. Antônio era um homem grande de longos bigodes e um forte sotaque. Era português de origem, mas já estava no Brasil há muitos anos, muito embora o sotaque permanecesse intocado. Apesar de ser corpulento, o Sr. Antônio era gentil. Tratava-nos como se fossemos rainhas. Enquanto trabalhava, elogiava a madeira de que éramos feitas e o capricho de quem nos criou. Costumava dizer: - Nem parece que foram fabricadas cá no Brasil. Podem ter sido feitas aqui, mas com certeza, por algum patrício meu -. Não fosse pelo zelo da arrumadeira, eu jamais teria sabido o que era ser uma cadeira da mesa de jantar. Teria sido sempre a cadeira extra, a cadeira do canto, a cadeira do aparador.
D. Filomena, também portuguesa, mas quase sem sotaque, era muito caprichosa em seus afazeres. Ela fazia o rodízio das cadeiras para que nenhuma ficasse mais desgastada que as outras. A pobre criatura sofria de terríveis dores nas pernas devido às varizes. Depois que ela limpava e arrumava a sala de jantar, ela sempre se sentava em mim ou na minha irmã do outro lado do aparador e descansava as pernas um pouquinho. Também era ela quem chamava minha dona para mostrar a necessidade deste ou daquele reparo. Ah! Que tempo bom era aquele... A família toda reunida em torno da mesa de jantar (que também era de almoço, lanche, ceia...).
Lembro-me bem do primeiro grande golpe de minha vida. Foi bem no finalzinho do século XIX. Minhas irmãs e eu ainda éramos jovens. Seria uma manhã como outra qualquer, não fosse o entra e sai de gente que nós nunca tínhamos visto antes. As crianças fizeram o desjejum na cozinha e logo foram mandadas para a Fazenda da família acompanhadas pelas amas e por dois dos mais antigos e fiéis empregados da família. Mas... O que estava acontecendo? Ninguém vinha à sala de jantar. Todos sussurravam. Eu não conseguia ver nem ouvir nada, mas sabia, ou melhor, sentia que algo estava acontecendo. Finalmente D. Filomena, que tinha o hábito de falar consigo mesma, entrou na nossa sala para a limpeza e arrumação habitual. Ela não só resmungava, mas também parecia estar chorando - Valha-me minha N. S. das Graças! Se o patrão não agüentar... O que vai ser desta família? Ó raios! Mas como é que ele foi pegar esta tal de gripe espanhola?
Duas semanas se passaram e o nosso dono não melhorava. Os médicos já não tinham esperanças. Muito enfraquecido pela doença, nosso dono não resistiu e morreu.
Nossa dona estava triste como jamais havíamos visto. Mandou buscar as crianças na fazenda e logo que eles chegaram receberam a triste notícia. Choraram. Choraram muito. Choraram até que o sono viesse para aliviar aquela dor imensa em seus coraçõezinhos. Nós, firmes por natureza, também entristecemos.
Mais uma de nós deixaria de ser ocupada durante as refeições.
Estranhamos muito o fato de que a primeira vez que fomos usadas depois do falecimento do nosso dono não foi numa refeição. Eles chamaram aquela reunião de Leitura do Testamento. Foi depois daquele dia que nossas vidas mudaram completamente. Pelo que pude entender a família, que tinha seus proventos oriundos da plantação de café e de algum gado leiteiro na fazenda, não ficou em boa situação financeira. Sem liquidez, diziam. Nossa dona resolveu vender a casa da cidade e ir morar na fazenda, para poder administrar mais de perto os cafezais e o gado.
E assim foi. A casa foi vendida. Porteira fechada, diziam. E, como nós estávamos dentro da porteira, nós ficamos.
A nova família que ali se instalou era formada por um jovem casal e dois filhos gêmeos de aproximadamente quatro anos de idade. Os nossos novos donos pareciam ser ricos mas com certeza não tinham a mesma educação que os antigos. As crianças não tinham limites e mexiam em tudo. D. Filomena, que também ficou dentro da porteira, se desesperava. Nós oito, agora mais experientes e sofridas, lamentávamos a nossa sorte. Os gêmeos endiabrados gostavam de sentar nas cadeiras que ladeavam o aparador. Pisavam na palhinha do assento, pulavam, sacudiam o encosto e até faziam xixi sobre nós duas.
D. Filomena vinha, limpava e resmungava: - Esses “putos” vão dar cabo da mobília-! O Sr. Antônio foi chamado várias vezes, mas os guris, cada vez mais encapetados, não tinham sossego.
A mãe não gostava de amas e nem de governantas dizendo que ela mesma queria se encarregar da educação dos filhos. O que ela não sabia é que não se pode dar o que não se tem. Numa das vezes em que o Sr. Antônio foi chamado, ele falou à nossa nova dona que era uma pena que cadeiras e mesa de tão boa qualidade estivessem tendo aquele tratamento. Reconhecendo que os filhos eram bastante “agitados”, nossa dona resolveu comprar um cachorrinho para os garotos. -Quem sabe assim eles se dedicam ao cachorro e esquecem a mobília-?
Lembro-me de ter pensado que eles não só não esqueceriam a mobília como também iriam fazer do cachorro ou um mártir, ou um louco. A segunda opção prevaleceu. O cachorro era quase tão doido quanto os garotos. Não demorou muito para o cão começar a urinar em nossas pernas. O tempo foi passando. D. Filomena pediu as contas e nós estávamos arriscadas a apodrecer a poder de mijo. Mas o pior ainda estava por vir. O cachorrinho endiabrado começou a roer as minhas pernas .
Por que só as minhas pernas? Não sei e nem nunca fiquei sabendo. Minhas pernas ficaram tão roídas e tão feias que minha nova dona me retirou da sala de jantar. Aliás ela retirou minha irmã que ficava do outro lado do aparador também. Fomos morar num quartinho de guardados. O quartinho era uma bagunça, mas pelo menos estávamos livres dos garotos e do cachorro.
Meu Deus! – eu dizia à minha irmã - Que diferença da nossa antiga dona!
Acho que ficamos ali no quartinho por alguns anos.
Um dia, ouvimos a voz do Sr. Antônio. Sim, sim! Era ele!
Abriu a porta do quartinho em busca de um pedaço de madeira com o qual pudesse consertar algo que os gêmeos, mais velhos, mas não menos endiabrados, haviam destruído.
Ao nos ver ali dentro e naquele estado, o Sr. Antônio ficou desconsertado.
- Mas o que foi que fizeram a estas cadeiras meu Deus? Isto é um pecado -!
Ele aproximou-se mais e avaliou os estragos. -Isto é um pecado! Vou ver o que se pode fazer -. Pegou o pedaço de madeira que precisava e saiu. No fim do dia, o Sr. Antônio voltou ao quartinho . Pegou – nos em seus braços ainda muito fortes e nos levou para fora.
-Ó minha senhora, a senhora não quer me vender estas duas cadeiras?
– Vender? – perguntou ela.
-Pois sim , vender!
_ Bem... mas... eu não sei quanto elas valem.
- Valem muito minha senhora. Mas, no estado em que estão, há que se gastar bastante dinheiro para recompô-las.
-O senhor quer trocá-las pelo serviço que acabou de executar?
-Negócio fechado.
E lá fomos nós para a oficina do Sr. Antônio. Lá, ele cuidou muito bem de nós. Trocou minha perna roída por uma nova da mesma qualidade de madeira, que ele mesmo confeccionou. Chamou o homem que colocava palhinha e trocou as nossas palhinhas dos acentos e dos encostos. Deu lustro na nossa madeira e... Voilà! Estávamos novinhas outra vez. Quanta felicidade. Que homem generoso era o Sr. Antônio. Ficamos algum tempo morando na oficina até que um dia o nosso benfeitor levou lá um homem muito bem educado e culto que, só de nos ver, disse o ano de nosso nascimento, estilo, tipo de madeira, etc. Olhou detidamente para mim e para minha irmã. Acho até que ficamos um pouco encabuladas. Depois, disse assim- Fico com elas Antônio. Elas valem o preço que você me pede e eu pagarei feliz. - Apertaram as mãos e lá fomos nós duas morar na casa do tal senhor. Chegando lá, descobrimos que não era a casa dele, mas uma loja muito bonita cheia de objetos e móveis que pareciam ter e tinham estirpe. Era um antiquário. Nessa loja só entrava gente muito fina e de bom gosto. Quando nos olhavam sempre elogiavam. Aquilo nos fazia bem depois de tantas desventuras.
Era bom estar ali, mas nós sabíamos que aquele não era o nosso lar definitivo, pois víamos que os objetos e móveis eram vendidos, trocados ou comprados, dia a dia. Alguns anos haviam se passado, quando um dia, uma jovem senhora muito distinta entrou na loja e dirigiu-se ao patrão perguntando se ele não teria ali cadeiras, assim, assado... Ele imediatamente apontou para nós. Aproximando-se, a tal senhora exclamou: -Exatamente o que eu estava procurando! Vou levar-! Sem fazer questão de preço, a distinta jovem senhora nos colocou em um carro e nos levou para nossa nova casa. Era uma casa grande e bem cuidada que lembrava a nossa primeira casa. Não havia crianças. Só ela e a mãe. A senhora mãe me era tão familiar... Um dia, minha irmã e eu a ouvimos contar à filha, como a gripe espanhola havia matado seu pai e como eles foram viver na fazenda com a mãe... Eu não podia acreditar no que estava ouvindo. Mas, era fato. Aquela velha senhora era uma das meninas da nossa primeira família. Quanto tempo havia passado? Quanto mais ela falava de sua infância, mais certeza eu tinha. Era incrível! Muito tempo havia passado.
Como éramos apenas nós duas, não fomos colocadas na sala de refeições e sim na sala de estar fazendo conjunto com um sofá que sem dúvida era nosso parente. Mesma madeira, mesmo estilo... Sim, era nosso primo. Tanto ele quanto nós gostamos muito desse nosso encontro. Estamos até hoje nessa mesma família. Hoje, uma outra geração.
Mas a mesma família. Moramos, agora, na casa de uma das bisnetas daquela velha senhora cuja filha nos resgatou.
E assim, acaba esta estória que comprova que o mundo é pequeno, redondo e dá voltas. O que vai acontecer daqui pra frente, eu conto numa próxima vez.

Opereta litorânea - Eugênia Kós

Tudo aconteceu em Mucuripe, terra de jangadas.
Não encontrei mais o Zé, mas lembro que ele sempre preferiu as canoas.
Zé era um sujeito solitário, feliz da vida e do seu oficio. Seu melhor amigo era um vira-latas magricelo chamado “Palito”, ambos viviam numa casa avarandada na boca de um rio que terminava na praia.
Sou um chapéu cheio de memórias e nasci da palha verde trançada pelas mãos habilidosas desse homem, o famoso “Zé dos Chapéus”.
Todos os dias ele e Palito tomavam a “Escurinha” e subiam o rio para colher a palha. A dupla começava a trabalhar tão cedo que nem dava tempo de peixe acordar. Zé remava a canoa rio acima e Palito fazia seu papel de proeiro latindo bons-dias aos frangos d’água madrugadores.
A palha era perfumada de maresia e orvalho e a canoa chegava carregada aos varais toscos montados na praia. Daí Zé espalhava as folhas, sem quebrar nenhuma, para secar ao vento sob a sombra dos coqueiros.
Palito corria pela areia entusiasmado com os siris, enquanto Zé jogava os robalos distraídos de volta ao mar. Ele só fazia exceção aqueles do tamanho da sua fome, esses iam para a frigideira. Já Palito, preferia os siris.
Mas voltando aos chapéus... A palha rústica ficava macia e obediente aos tratos do Zé e suas mãos trabalhavam tão depressa que quem tentasse copiar não conseguiria! Ele fazia chapéu de todo gosto e ninguém sabia de onde ele tirava as modas, as invenções saíam de sua cabeça.
Alguns ficavam feios porque, afinal, ninguém é perfeito. Esses viravam, invariavelmente, brinquedos do Palito, que se divertia correndo com eles pela praia, rasgando e roendo até que não sobrasse nada que manchasse a fama do Zé Chapeleiro.
E havia o xodó do Zé, o mais bonito de todos, sua obra-prima. Era o “Domingueiro”. Tinha até lugar especial dentro do armário! Era feito de palha muito fina e maleável, cor de charuto. Tinha uma fita marrom contornando sua copa amassada e suas abas eram perfeitamente quebradas. Aquele era um chapéu de categoria!
Eu também sou um chapéu muito bonito e especial. Zé não se apressou em mim. Minha copa saiu tão trabalhada como renda de bilro e tenho abas muito grandes e onduladas.
Tudo por causa do coração de Zé.
Num dia ensolarado, na saída da missa, Anália, a moça mais linda da cidade suspirou um “ai… preciso tanto de um chapéu…” tão próximo do seu ouvido e com tamanha irresponsabilidade que descompassou o bom coração do chapeleiro e o fez sentir uma necessidade urgente de fazer chapéu lindo, só para ela.
Sem coragem de perguntar o nome da bela decidiu que ela seria “Marisol”!
Por isso Zé escolheu e caprichou nos tratos da minha palha ruiva. Deixou-a tão fina e macia quanto imaginou que os cabelos dela deveriam ser.
Depois passou dias em silencio, matutando, impaciente. Caminhava para lá e para cá moendo o chão de conchas do galpão que também era a sua casa. Café quente e coração batendo, insone. Ele observava aquele amarrado de palha cheirosa que o aguardava silenciosa e passiva, repousada sobre sua mesa. De repente iluminou-se e começou a trançar a palha freneticamente.
Palito ao lado do fogãozinho a lenha observava tudo quieto, orelhinhas em pé, mas sem ousar fazer um movimento.
As mãos mágicas do Zé obedeceram cuidadosamente à suas invenções.
Finalmente fiquei pronto! Com um longo suspiro Zé me pousou sobre a mesa da sala e foi descansar.
No dia seguinte arrebanhou um bocado de papel cinza de padaria, formou um bolo e preencheu o vazio da minha copa.
-“Para te proteger” - ele falou para mim, baixinho, com muita intimidade.
Ficou, por alguns minutos, me olhando em silencio como numa despedida, me abraçou de encontro ao seu peito suspirando e me acariciou demoradamente. De repente me afastou e deu tapinhas na minha copa como se eu estivesse empoeirado.
Com as mãos alisou as folhas de papel restantes, me embrulhou com cuidados de balconista, como se eu fosse presente de loja, e finalmente me ajeitou dentro de uma sacola de supermercado.
Fiquei ali, esperando sobre a mesa até o domingo.
No dia da missa Zé abriu o armário e tirou de lá o chapéu Domingueiro. Depois “vestiu uma calça nova de riscado, paletó de linho branco, que até o mês passado lá no campo ainda era flor...” bem devagar Intrigadíssimo, Palito observava tudo de perto, abanando o rabinho magro, intuindo que aquele era um dia muito importante.
Zé se olhou no espelho, barba feita e cabelos penteados, ajeitou o Domingueiro na cabeça puxando a aba sobre os olhos e foi para a cidade esperar por ela. Na praça escolheu um banco com vista privilegiada.
Ficou lá.
Sentado no banco.
No banco da praça embaixo do Flamboyant florido.
Aquele bem defronte à porta da Igreja.
Esperou olhando fixamente para a porta.
E ela apareceu! Depois da missa.
O coração do Zé disparou de tal forma que ele ficava só engolindo para que esse não saltasse peito afora.
Maravilhosa, Marisol brotou abençoada, da penumbra da igrejinha, depois da missa, perdoada de qualquer pecado. Com as mãos vinha protegendo os olhos da luz de um sol aberto. Por um instante parou do lado de fora, até se acostumar à luminosidade, e um vento atrevido levantou suas saias revelando as belas pernas morenas.
Ela começou a descer... Devagar... Cada um dos cinco degraus da escada santa... Alternando as pernas... O vento também desarrumava seus cabelos... Ela se aproximava cada vez mais de um Zé apatetado.
Zé imaginou, de longe, cada um dos dedinhos dos pés de Marisol porque não ousava levantar os olhos. Ela estava a menos de três metros dele! Uma carroça vinha passando e ela parou, precisou esperar na calçada para atravessar a rua. A carroça demorou uma eternidade, passou muito devagar. Um burrico branco na frente, algumas moscas em cortejo, um carroceiro, seu chicote inútil e rodas resmungando sobre os paralelepípedos da Rua da Matriz...
Zé devaneava imaginando o delicado par de sandálias de verniz branco, o cor-de-rosa das unhas cintilando… e sentiu um perfume de jasmim…
Num estalo se deu conta de que Marisol já estava do seu lado.
Levantou-se completamente sem discurso, a firme mão direita tirou o “Domingueiro” da cabeça e a outra me ofereceu a ela.
- “Para mim?” perguntou surpresa, pousando a mão esquerda entre os seios.
Zé, mudo só balançou a cabeça afirmativamente.
Numa cena deslumbrante, sem hesitar, a bela sentou-se no banco de pedra derramando, com barulhos de mar, a saia branca de tafetá arrematada por uma renda que, bem que poderia ser, a espuma das ondas. Cruzou as pernas e me desembrulhou espalhando os papeis e os sentimentos do Zé no vento.
Irresponsavelmente maravilhosa.
Ele sorriu.
Ela sorriu.
O vestido, os dentes, os olhos... Tudo nela refletia a luz do domingo. Marisol brilhava...
Me viu e me aconchegou junto ao coração, depois me afastou olhando-me com muita atenção, virou daqui e dali, me afagou, me amassou, me arranhou, cheirou e deu uma mordidinha na minha palha macia, depois olhou para o Zé sobre as minhas abas e sorriu para ele, em aprovação.
Num pulo levantou-se do banco da praça e estendeu-me para que Zé me segurasse enquanto prendia os cabelos num rabo de cavalo. Depois pediu que ele me ajeitasse na sua cabeça e sussurrou.
- “Ah, Zé, que lindo!!! Muito obrigada!”
Esticou-se na ponta dos pés, eu na cabeça, abas seguras nas mãos para que eu não escapasse ao vento e deu um beijo no rosto do Zé embasbacado.
Ele quase desmaiou.
A bela levantou-se e tomou seu rumo devagar.
Seguiu cantando feliz, sobre as longas pernas que o vento insistia em mostrar, com a cabeça ainda mais fresca, distraída, irresponsavelmente transformando toda a existência, levando com ela o bom coração do Zé...
- “Eu vou pra Maracangalha, eu vou… eu vou com chapéu de palha, eu vou…”
Em tempo, Caymmi e Belchior são compositores de “Maracangalha” e “Velas do Mucuripe”, respectivamente, e estavam na praça bebendo uma água de côco. Maravilhados, presenciaram a cena e combinaram de transformar essa história de amor numa opereta, mas ainda não tiveram tempo.
Também discutiram o projeto com o Bruno Barreto, mas quem está mesmo interessado em transformá-la em filme é o Cacá Diegues!

COLAGEM DE 1958 - Wilma Casari Kós


Rio, 26 de janeiro de 1958 . No Leme

Quando parei de chorar peguei um espelho e esgotei todas as caretas que sabia fazer.
Nenhuma conseguiu esconder esta minha aparência miserável.
Sento-me á mesa para tomar café. Café ou suco de laranja? Bolacha ou torrada? Manteiga ou requeijão? Tanto faz.
Carrego uma podridão interna desde que nasci. E se ela agora resolveu aparecer na minha cara, não posso dizer que a causa foi por alguma coisa que devo ter comido.
Será inútil escolher criteriosamente o que comer neste momento ou o que comerei mais tarde. Portanto, tanto faz.
Sei muito bem que o código da minha vida, o código da vida de toda a humanidade já foi traçado por Deus e seus delírios, desde sempre. Antes mesmo da era da turbulência jurássica.
Ontem, depois de estudar toda a bateria de exames, radiografias e etc, meu médico foi frio e objetivo ao dar o diagnóstico: - Para o seu caso a cirurgia é aconselhável porque, como o problema foi detectado cedo, a reparação é quase certa.
Quase? Essa palavra me deixou fora de órbita por alguns segundos, mas felizmente meu guardião de memórias veio em meu socorro liberando antigas cenas da infância:
Infância onde Teresa e eu, a menina que roubava livros da livraria do seu Genaro éramos unha e carne.
Seu Genaro era o dono da papelaria-livraria-armarinho da nossa cidadezinha. Lá os meninos compravam papel de seda colorido para fabricarem suas pipas. Mas por razões que não lembro mais, o único lugar onde eles conseguiam empina-las era na praça, enfrente á porta da loja. “Na sombra do vento” como eles diziam.
Nas horas de maior empolgação, com todos empenhados nas batalhas aéreas, seu Genaro aparecia de surpresa e cortava os fios das pipas, Muitas se perdiam, outras se arrebentavam no chão, mas o velho ranzinza conseguia confiscar algumas. Levava-as para dentro da loja e nunca devolveu nem uma sequer
Porisso nós duas o apelidamos de “O caçador de pipas”.
Onde está Teresa e sua bússola de ouro para me levar de volta à cidade do sol?
Odeio objetividade porque ela nos afasta da realidade. Nelson Rodrigues compara a objetividade a uma lavadeira que, com as mãos afundadas no tanque, ouve uma gritaria ao longe. Larga o sabão e vai correndo até o portão para saber o que está acontecendo. O que vê é apenas um homem baixinho espiando por um binóculo. Entediada volta para o seu objetivo que é o de lavar roupa suja. Por estar concentrada na espuma de sabão, ela deixou de assistir ao momento histórico que foi o de Napoleão perdendo a batalha de Waterloo. A santa mulher não vê nem batalha, nem Napoleão. Só vê o que quer ver: sujeira, água e sabão.
Se Deus tivesse me designado para nascer no signo de Capricórnio, eu hoje estaria destinada a ter muita animação na minha vida afetiva. Teria um aumento na auto-estima. Minhas horas seriam preenchidas com romances, festas e lazer. Encontraria pessoas interessantes, agradáveis e dispostas a bater um bom papo comigo.
O meu médico não é nem interessante, nem agradável. Não está disposto a bater um bom papo e muito menos me ver como pessoa. Para ele sou apenas mais um Napoleãosinho doente lutando a sua batalhazinha. Concentrado atrás de uma luneta âmbar ele tenta penetrar para além das fronteiras do universo do meu corpo. Só pensando no dia em que, com sua faca sutil, arrancará dali mais um tesouro para a sua coleção de relíquias da morte.
Leio na seção de Horóscopos do jornal que o aconselhamento para meu signo é:
Saturno aparece como um pensamento cobrador que bate à sua porta para acertar as contas pelos seus atos passados. Não discuta, pague logo.
Acontece que o meu signo é Sagitário, infelizmente


Rio, 10 de fevereiro de 1958. Na casa de Saúde São José.

Mãos que se aproximam, apertam as minhas e se perdem. Gente de névoa.
Abro os olhos ou ... serei eu me abrindo todinha entre as pálpebras dos lençóis?
Vejo que hoje é noite de lua cheia. Ela entra pela janela derramando um leite branco- azulado sobre a minha cama.
Lembro da cirurgia.
Passo a mão de leve pela cicatriz e desejo angustiadamente um novo corpo.
O médico entra . Seu jaleco não tem mais no peito a grande flor vermelha estampada que eu vi, vagamente, no centro cirúrgico.
Tento afastar seu estetoscópio do meu peito, com medo que ele possa escutar meus pensamentos.
A enfermeira está sendo repreendida pelo Dr. Importante.
Sinto suas mãos tremendo como um terremoto enquanto ela mede meu pulso...
...já consigo levantar da cama e fico horas encostada na janela do quarto contemplando o ritmo da vida lá embaixo.
Meus passos trôpegos me levam até a porta e, surpreendida vejo que consigo abri-la sem esforço.
Mas... meus olhos desanimados medem o longo corredor.

Dia 15 de fevereiro de 1958, Ainda na casa de Saúde São José.

Fico cada dia mais cansada, mas não tenho sono. Quando a auxiliar entra com o almoço abro a boca num falso bocejo, num sono fingido.
São artimanhas tentando encobrir maus presságios.
Nesta manhã sinto no ar um clima diferente. Dr Importante deixou-se ficar mais tempo ao meu lado e senti pelo seu modo de olhar que ele finalmente viu em mim uma pessoa! Será que o tumor extirpado atrapalhava tanto assim sua percepção?
Engraçado... o dia está escurecendo tão depressa...
Na parede enfrente à minha cama tem um quadro representando uma montanha, e de repente sinto a montanha pesando no meu peito.
Minha cabeça parece um barranco em que a terra vai desmoronando devagarinho.
Apoiados em suas bengalas, papai e mamãe surgem através de um quarto sem luz.
Rindo tento pegar os dois no colo e começo a chorar comovida com tanta leveza.
À minha volta muita gente, todos no mesmo rumo.
A enfermeira aflita apertando meu pulso e murmurando baixinho: Não vá ainda, não vá embora...
. Meu coração sai pela boca e fica ao lado da cama só observando...Porque tanta correria?
Dr. Importante, usando novamente o jaleco com a flor vermelha tenta levantar a minha cabeça.
Coitado... seu dia hoje foi cheio de frustrações.
Antes de chegar ao hospital pela manhã assistiu aquele acidente que deixou um menino morto. Tinha sido atropelado minutos antes e estava estendido no asfalto ao lado de uma bicicleta nova. Tão franzino, tão desamparado... Ainda latejante o sangue à sua volta parecia abraça-lo com braços de mãe...
E agora posso sentir o quanto está preocupado comigo. Sei que tem dúvidas sobre se deveria ter feito a cirurgia ou não. Sabia que meu caso era terminal e está pensando que talvez pudesse ter me poupado o sofrimento extra.
Se a mãe daquele menino pudesse prever o futuro não teria comprado a bicicleta almejada por ele e nem permitiria que saísse de casa hoje com ela.
Um médico pode ter todas as armas, mas nunca conseguirá prever quem sairá vitorioso da batalha entre Vida e Morte.
Preciso lhe dizer que...quero avisar todo mundo que uma enorme ....uma onda maravilhosa está chegando... quero dizer que não se preocupem...que o mergulho será...
Abro muito os olhos num esforço para deixar-lhe a impossível última confidência.
Nada mais importa. O mergulho será inevitável.
Atravesso o quarto escuro e a onda me leva ao encontro da luz.


O médico pousa a cabeça da moça no travesseiro e fecha seus olhos, delicadamente, com numa carícia.
Levanta-se, abre a porta olhando o longo corredor e retorna, desanimado, com passos trôpegos até a janela do quarto. Apoiado no parapeito fica por longo tempo contemplando a vida lá fora.
Enquanto isso alguém que está na sala de espera lendo o jornal do dia, pega uma caneta e sublinha frases na sessão de horóscopos:
Talvez seu dia hoje não seja exatamente como os habituais.
Você entrará em sintonia com emoções que habitam regiões misteriosas e ocultas do seu psiquismo. Isso vai aborrecê-lo porque você detesta a impressão de falta de controle e entendimento racional. Mas não tenha receio. O mergulho nessa onda de sentimentos inexplicáveis vai lhe trazer uma grande revelação. Quando perder uma batalha lembre-se de que não perdeu a guerra

Da janela do quarto da moça morta o Dr. Antonio percebe o magnífico ipê no jardim com os galhos carregados de flores.Muitas delas já caíram no chão tranformadas num lindo tapete amarelo.
Ele não lembra que pertence ao signo de Touro mas, nesse momento aceita que o inexorável, contínuo e mutante movimento da natureza independe da vontade humana.
Das lindas flores do ipê algumas permanecerão nos galhos por mais um dia.
Outras não.

CHAPEU - Wilma Casari Kós

Ah!...até que enfim você lembrou! As fotografias estão aí para mostrar o quanto estive presente na vida de vocês. Estava na sua cabeça nessas fotos na neve em Interlaken.
Você está ao lado dele, mas quem está na sua cabeça sou eu!
Meu dono sempre foi um homem comedido em tudo. Não dançava, mas quando era obrigado a isso por circunstâncias sociais agarrava a dama, no caso sempre você, e corria pelo salão parecendo uma britadeira desgarrada.
Sorria mas não dava gargalhadas. E quando não conseguia se conter, segurava tanto o riso que ele saia pelos olhos todo espremido em lágrimas.
Era sempre o último a entrar e o último a sair de qualquer transporte, teatro ou restaurante, mesmo que tivesse lugar marcado ou reserva feita.
Em qualquer refeição passaria fome se você não o servisse.
Ao volante parava em todas as encruzilhadas que não tivessem sinal, dando passagem ao motorista que vinha em sentido contrário. Mesmo se a preferêncial fosse dele.
Apesar de ter um gosto literário e musical diferente do seu, não conseguia escolher nem livros nem cds sem que você o ajudasse.
Além dos filmes de ação, gostava também dos” quentes”, mas quem os escolhia na locadora era sempre você enquanto ele ficava passeando pelas alas dos” aceitáveis”, fingindo nada ver.
Comprar roupas, nem pensar Quando era absolutamente necessário fazê-lo, você fazia piada dizendo que ele deveria ter nascido em outra época e lugar uma vez que a sociedade atual não aceitava nudistas.
Então ele entrava nas lojas de emburrado, aceitava qualquer roupa que o vendedor lhe oferecesse, recusando-se a experimenta-las e quando chegava em casa nada cabia.
O único musical que assistiu sozinho foi o Man of La Mancha e eu já estava na cabeça dele porque nesse mesmo dia esse homem bonitão entrou na loja em que eu estava exposto, não consultou nenhum vendedor, me levou ao caixa resoluto, nem perguntou meu preço, (e olhe que eu era caro) pagou, e desse dia em diante só nos separamos uma vez.
Quando voltamos ao Brasil fiquei esquecido numa prateleira porque, como era um chapéu de lã não seria adequado para a viagem de trailer que a família fez ao norte durante as férias de verão. Mas não me incomodei com essa separação porque antes disso já estivera na sua cabeça em todos os acontecimentos que deixaram marcas tão profundas na vida dele.
Desde que voltamos de N.Y. naquela vez, sempre estivemos unidos para lutar contra os
moinhos de vento. Ele era o D. Quixote e eu me tornei o seu Sancho Pança. Inutilmente
tentando proteje-lo das traições de amigos e das injustiças cometidas pela situação
econômica de uma época que buscava bodes expiatórios para justificar sua incompetência no comércio exterior.
Acompanhei-o quando se apresentou voluntariamente em São Paulo onde ficamos presos por um mês. Quando teve ganho de causa recebendo como indenização as torres de torrefação de café da fábrica, eu estava ao seu lado. Nessa hora bem que tentei que ele me atirasse para cima como sinal de jubilosa vitória. Mas por desilusão ou cansaço o máximo que fez foi me tirar da cabeça por uns instantes e passar um lenço na testa cansada. O que é que ele poderia fazer com torres de café?
Já de volta em casa alguém precisaria acompanha-lo quando saia em missão, montado no Roncinante que era seu Fusca. Esse nobre fidalgo tinha começado a procurar a “impossivel estrela”.
E nessa busca angustiada ele comprou um Haras e vendeu um haras.
Construiu casas e vendeu casas.
Comprou uma fazenda, importou vacas de leite que morreram mordidas por carrapatos Plantou tomates, abóboras, milho...
E plantou árvores.
Dulcinéia que não era fidalga não via a mim como fiel escudeiro nem via a ele como o cavaleiro da triste figura.
Desde sempre ele foi seu príncipe que montava um cavalo branco.
Mas a realidade foi se fazendo presente porque devagarinho uma doença começou a Minar seu físico e sua mente.
D. Quixote não podia mais montar seu Roncinante.
Passou a fazer seus passeios matinais caminhando, apesar da dificuldade. Depois precisou da cadeira de rodas.
E nos cinco anos que se seguiram eu, seu Sancho Pança o acompanhei protegendo sua cabeça do sol e do frio.
Estava vigilante quando meu amo e senhor morreu num dia 11 de setembro, o mesmo Dia em que caíram as torres gêmeas. Sempre me pergunto se sua busca impossível terá terminado.
Como em vida optou pela cremação, suas cinzas serão espalhadas ao vento, lá no alto da estrada de onde se pode avistar seu castelo e seu Roncinante parado na garagem
E eu?Que será de mim? Não sou nada sem meu amo!...
A mulher se aproxima da porta carregando a urna que contém as cinzas do companheiro.
De repente lembra de alguma coisa, volta até o cabide onde está pendurado o velho chapéu.
Abraça-o com ternura, leva-o até a garagem, abaixa-se e cuidadosamente e o coloca no chão perto do fusca que foi também tão amado pelo seu marido.
Aproxima um fósforo aceso do chapéu e suas lágrimas não apagam as chamas, que crescem para cima chiando alegremente.
Agradecido irei encontrar meu amo e juntos cavalgaremos o capim até o lugar mais alto da montanha, lá onde a terra encontra o céu, único lugar onde ele alcançará enfim, a sua estrela impossível.

CHAPÉUS - Ana Lidia Pimentel

Olha aí minha gente! Nesse sol quente, não tem cabeça que agüente! Olha o chapéu! Era este o slogan do vendedor na praia. E eu, ali sentada num banco do calçadão, tomando minha água de coco, pensei comigo mesma: Chapéus... Chapéus... .
Um chapéu cobre e protege a cabeça da gente. Hoje em dia, quase ninguém usa chapéu, usam boné. Há alguns anos atrás, as senhoras não saíam de casa sem chapéu. Os homens, que então, ainda eram chamados de cavalheiros, quase sempre usavam chapéu. Charles Chaplin eternizou Carlitos com bengala, bigode e chapéu.
Churchil usava chapéu. Frank Sinatra também. A rainha da Inglaterra ainda usa chapéu.
Tira o chapéu para colocar a coroa. Será que coroa é um tipo de chapéu? E turbante?
É chapéu? Se turbante for chapéu, Osama Bin Laden usa chapéu. Não, Não, prefiro que turbante seja só turbante. Rodolfo Valentino usou turbante e chapéu. Greta Garbo também. Humphrey Bogart e Ingrid Bergman usaram chapéu em Casablanca.
Minha amiga Wilma escreveu um lindo conto sobre seu marido Arthur e seu chapéu.
Arthur é nome de rei e rei usa coroa, mas se quiser, também pode usar chapéu.
Chapéus... E se eu fosse um chapéu? Turbante do Bin Laden eu não quero ser.
Protetor, um chapéu deve proteger da chuva, do sol e até de titica de passarinho. Arrrg!
Homem careca quando põe chapéu fica mais moço. Moço careca, sem chapéu parece mais velho.
Mas e se eu fosse o chapéu do Frank? Será que eu cantaria como um Sinatra? O que será que sente um chapéu ao cobrir determinada cabeça? Será que assimila a personalidade do dono? Tão próximo do cérebro, não seria difícil escutar pensamentos,
descobrir segredos e antecipar intenções.
Engraçado como associamos a imagem de uma pessoa ao seu chapéu. Noutro dia encontrei na rua, o rapaz que sempre me atende na padaria. Sem o “bi-bico” quase não o reconheci.
Chapéu não é peça de vestuário, é complemento de personalidade.
Sim senhor, complemento de personalidade! Tire o chapéu de Santos Dummont e quem é que o reconhece?
Mas de Santos Dummont não se tira o chapéu, nós é que devemos “tirar o chapéu” pra ele!
Tem chapéu de todo tipo: chapéu coco... - Hihh! Minha água acabou! – chapéu Panamá, chapéu de palha, chapéu de Cow-boy igual ao que John Wayne usava , chapéu de malandro e o que mais se puder imaginar. Seja lá o chapéu que for, é complemento de personalidade. Eu insisto. Experimente colocar um chapéu coco em Santos Dummont, vai ficar parecido com Carlitos, não vai? Viu só! É complemento de personalidade.
Ai, que calor ! Minha água de coco acabou... Acho que vou comprar um chapéu. Cadê o vendedor? E se eu não achar um chapéu que combine com a minha personalidade?
Melhor não ser intransigente porque tá muito quente. Que tal... Chapéu é complemento de personalidade, dependendo das circunstâncias. Ah! Agora sim. Perfeito!
Cadê o vendedor?

sábado, 26 de janeiro de 2008

O chapéu mágico - Heloisa Ausier

Eram duas meninas. Saias plissadas cinza, camisas brancas meias soquete e sapatos pretos. A maior distância entre elas quando estavam sentadas no banco do ônibus escolar, era de menos de um palmo. Suas pernas roçavam levemente nas curvas e isso deixava Clara levemente excitada, enquanto Maria do Carmo fingia que não percebia. A diferença de idade era pequena. Do Carmo estava com 13 anos enquanto Clara tinha apenas 11. Isso nunca tinha sido um empecilho para a amizade, pois as duas tinham sempre muito o que conversar. De vez em quando a mais velha percebia um olhar embevecido da outra, e disfarçava num misto de prazer e constrangimento. E era assim todos os dias de colégio quando as duas eram as últimas a saltar do ônibus.
Chegou junho e os preparativos para a festa junina chegaram junto. Num colégio feminino, as meninas mais altas acabavam se vestindo de menino para dançar quadrilha. Clara com olhar meigo perguntou à Do Carmo se toparia dançar com ela.
_ Tudo bem _ disse a amiga _ mas minha fantasia é de vestido e minha mãe não iria comprar outra pra mim.
_ Não há problema _ retrucou Clara _ tenho calça velha de jeans, posso colocar uns remendos e com uma camisa de xadrez de flanela vai ficar ótimo.
_ Mas você é mais baixa que eu!
_ Você se importa com isso? _ perguntou Clara com olhar pesaroso.
_ Não, não me importo!
Na hora do primeiro ensaio, se encontraram no pátio. Clara não era muito mais baixa que a amiga. Depois que colocasse o chapéu, quase não ia se notar a diferença. Ensaiaram quase todos os dias daquelas duas semanas.
No dia da festa, Clara pintou cavanhaque, costeletas, e usou as calças remendadas e camisa de flanela. Seu chapéu de palha tinha pontas esfiapadas. Seu cabelo curto ajudava na aparência de um perfeito matutinho. Maria do Carmo usava um vestido de chita, trancinhas com laços vermelhos na ponta, as bochechas rosadas de rouge e sardas distribuídas com graça pelo seu rosto. A quadrilha foi um sucesso e Clara estava em êxtase. Nunca tinha ficado tão perto de Maria do Carmo por tanto tempo.
No dia seguinte a vida continuava a mesma. As duas no ônibus conversando animadamente, o ônibus fazendo curvas e levando as pernas delas a se roçarem e um arrepio nas costas de Clara e um friozinho na barriga que a deixava desconcertada. Um dia Clara colocou seu chapéu de palha, em casa na frente do espelho. Seus pensamentos viajaram. “Ela estava com Maria do Carmo no ônibus e quando vinha uma curva e suas pernas encostavam, seus lábios se tocavam também. Falavam juras de amor uma pra outra, e se davam as mãos.” Clara tirou o chapéu. Tentou imaginar novamente a mesma cena, mas não acontecia nada. Não conseguia imaginar. Ela era apenas uma menina, e duas meninas não podiam se beijar.
Todas as noites daí em diante Clara colocava seu chapéu de palha quando se deitava. Com ele na cabeça, conseguia viajar e imaginar as mais diversas cenas de romance entre as duas. Quando tirava o chapéu as cenas desapareciam de sua imaginação como um toque de mágica. Passou a rezar pedindo a Papai do Céu que a transformasse num menino ao acordar, se estivesse usando o chapéu ao cair no sono.
Algum tempo se passou e um dia Clara acordou com uma idéia. Levaria o chapéu pra escola e quando estivesse no ônibus de volta pra casa e as pernas de Maria do Carmo roçassem nas suas, ela pegaria em suas mãos e lhe daria um beijo. Levou o chapéu, mas o manteve escondido. Nem mesmo na hora da curva colocou-o na cabeça. Tinha medo. Um medo horrível de ser rejeitada. Já não sabia mais quem era. Uma menina de chapéu de palha em plena Copacabana dos anos 60? E todos os dias levava o chapéu para o colégio, e todos os dias o trazia de volta decepcionada com a própria covardia.
Um dia estava folheando uma revista da época quando leu numa coluna de fofocas que fulaninha de tal tinha um caso com beltraninha. Não entendeu a princípio. “Duas mulheres? Um caso? Com beijo e tudo?”
No outro dia estava no ônibus ao lado de Maria do Carmo quando numa curva suas mãos se roçaram. Lutando com sua timidez, Clara segurou a mão de sua colega e assim foram as duas até o local onde saltaram.

No dia seguinte Maria do Carmo procurou um outro banco pra sentar e nunca mais se sentou ao lado de Clara. Outras meninas passaram pelo banco de Clara, mas ela não precisava mais de nenhum chapéu de palha pra fazê-la sonhar.

sábado, 22 de dezembro de 2007

A cadeira de Gertrude – Heloisa Ausier

No final do século 19 apareci num pequeno sítio no interior de Minas. Nunca conheci minhas origens, mas isso nunca foi realmente importante pra mim. Me lembro bem da varanda onde ficava. Era uma casa de madeira que rangia aos passos dos moradores. Que som mais tenebroso! À noite ficava escutando os barulhos dos grilos e sapos e da coruja que morou lá numa viga, com os filhotes. O dono da casa, homem de seus quarenta e poucos anos tinha um gato que dormia no meu assento de palha. Um dia ouvi umas visitas falarem... _Que cadeira de balanço rústica _. Como nunca tinha ouvido aquela palavra, fiquei intrigada. “O que seria rústica, algum tipo de cor?”. Mas o que eu estava falando antes? Ah! do gato! O nome do gato era Gertrude. Aí vocês vão falar. _ Mas isso é nome de mulher _. Pois é... o pobre coitado continuou sendo chamado de Gertrude mesmo depois de saberem que era macho. E ele era o cara mais ranzinza desse mundo. Resmungava se alguém o tirasse da cadeira, resmungava querendo comida e resmungava se a cadeira não estivesse na posição certa na varanda. Isso porque ele gostava de assistir ao banho que os patinhos de um lago próximo tomavam todo dia. Acho que ele fantasiava como seria se conseguisse pegar um pato daqueles, mas nunca tentava de tão preguiçoso.
Eu ficava ali, balançando a cada movimento do Gertrude. Não me lembro de mais ninguém sentar em mim, o que me incomodava, já que as outras cadeiras da casa eram usadas pelos humanos. Será que humanos naquela época não sentavam em cadeiras rústicas? O cheiro da minha madeira já quase não se sentia por conta do odor do gato que prevalecia. E assim se passaram alguns anos. Quando Gertrude morreu, outro gato tomou seu lugar e assim continuei sendo usada apenas por felinos.
O século mudou e junto com ele fui parar numa casa de campo que era usada apenas em fins de semana. Foi aí que começou meu suplício. A casa ficava vazia de humanos durante a semana, mas os cachorros tomavam conta da varanda e inevitavelmente umas três vezes por noite eu levava uma mijada em uma de minhas pernas. Às vezes o jato era pequeno se o cão era baixinho, mas se era um grandão, me molhava até o assento. Fui ficando feia e sem vida. É claro que minha madeira era boa, senão não teria durado nem uma semana lá, mas mesmo assim, quem gosta de ser molhada a toda hora e ainda por cima com aquele odor desagradável. Um dia minha dona chegou para passar as férias e reparou que ninguém sentava em mim. Como eu tinha um jeito confortável, ela chegou perto de mim, e ao notar meu cheiro, mandou o empregado me colocar imediatamente no sol. Passei um dos maiores sufocos da minha vida. Ficava no sol o dia inteiro. Comecei a ficar esturricada como um frango no espeto. A noite voltava para a varanda e levava mais um jatos de urina dos cachorros. Todos os dias das férias de verão, passei por isso. Quando minha dona resolveu ir embora, vendo que meu cheiro não saiu, mandou me jogarem num depósito escuro de coisas velhas. Fiquei lá uns tantos anos junto a enxadas, pás e outras ferramentas que raramente viam a luz do dia. Vocês pensam que foi ruim? Que nada... esses foram bons anos. Só havia uma pergunta que eu me fazia constantemente. _ Porque os humanos não sentavam em mim?_
Minha dona ficou muito velha e a filha dela assumiu a casa. Um dia olhando os cacarecos, era assim que chamavam a todos que ficavam no tal depósito, minha nova dona se encantou comigo. Nessa época, depois de estar ali por mais de trinta anos, não havia mais cheiro ruim em mim. Pelo menos era isso que eu pensava. Fui parar numa sala muito interessante, onde pessoas eram atendidas pelo meu dono de hora em hora. Meus companheiros eram uma estante cheia de livros que vivia reclamando de suas prateleiras estarem muito pesadas, uma mesa com abajur, um tapete persa, uma poltrona, um divã e um quadro com uma foto de um velho de barba branca e óculos de graus redondos. Dou uma balançada para quem adivinhar o que meu dono fazia. Claro... era psicanalista! Mas vocês nem imaginam para que eu servia. Só sentavam em mim, aqueles que se recusavam a deitar no divã. Não era infeliz nessa época sabe por que? As pessoas que se deitavam no divã choravam muito deixando o pobrezinho encharcado de lágrimas, enquanto eu... pouquíssimas pessoas sentavam em mim e assim mesmo acabavam no divã. Parece que isso se dava no começo de uma tal de época de transferência. Muitas vezes tive vontade de perguntar ao meu dono o que eu tinha de errado por não merecer que todos sentassem em mim. Mas foi num dia que um cliente dele falou em varanda é que me recordei do começo da minha vida e entrei em depressão. Muitos clientes tinham depressão e achei a palavra perfeita para o que eu sentia. Depois do gato Gertrude, ninguém realmente se importou comigo. Ninguém tinha ciúme de mim, nem me disputava. Foi aí que lembrei que nunca um ser humano tinha mostrado carinho comigo. E a cada sessão que acabava, mais deprimida eu ficava, pois nem aquelas pessoas sentavam em mim mais do que três meses e já iam me trocando pelo divã. Um dia o filho mais novo do meu dono trouxe pra casa um filhote de poodle. O cachorro era endiabrado, e o meu dono vivia recomendando que não deixasse ele entrar no consultório. Nessa época meu dono estava trabalhando menos e ganhando mais, portanto a sala as vezes ficava aberta. Um dia o cachorrinho chegou de mansinho, encostou a pata pequena na minha perna e me balançou. Ele correu assustado mas depois repensou o susto. Ora afinal eu não tinha saído atrás dele para lhe dar palmadas, então resolveu me desafiar e cada dia que encontrava a porta aberta entrava e me balançava. Já estava ficando enjoada, pois nunca mais desde o Gertrude, tinha sido tão balançada. Mas o pior ainda estava por vir. O tal cachorro já com quase um ano e os hormônios a toda, sentiu que a cadelinha pequinês da vizinha estava no cio e deu uma urinada daquelas nas minhas pernas direitas. Molhou meu assento e a almofada que ficava em cima dele. É claro que o poodle levou uma bronca do dono, mas eu acabei parando no sótão do prédio. E lá se passaram 30 anos. O que mais me lembro dessa época era da quantidade de móveis quebrados que eram jogados perto de mim, mas pior era ser roída por ratazanas. O cheiro de mofo também era terrível. Minha depressão nunca tinha sido curada e acabei vivendo ali sem muita noção de quem era meu dono, o que aumentava ainda mais meu complexo de rejeição.
Um dia houve um pequeno incêndio no sótão e depois de apagarem as chamas com um lança espuma interessante, fomos todos retirados para a calçada do prédio. Eu estava de saco cheio da vida e se conseguisse andar teria me jogado na frente de um carro qualquer. Foi aí que um rapaz muito bonito e simpático olhou pra mim. Pensei cá com meus botões ou seria com minhas almofadas rasgadas? Lá vou eu pra casa desse mané que provavelmente tem cachorro e vou ficar novamente urinada e fedida. Agora pelo menos estava cheirando a cinzeiro com espuma. O tal bonitão me colocou na carroceria de um carro de cabine dupla que devia ser estrangeiro, porque tudo nele era escrito em outra língua, e me levou. Fui a princípio para uma espécie de oficina e depois de recuperada e cheirosa fui para um Lounge.
_Vocês sabem o que é um Lounge? Eu não sei também, mas todos falam dele. É um lugar bem legal. Toca musica aos berros, as pessoas falam aos berros, os casais muitas vezes sentam um no colo do outro enroscados no meu assento e fazem ruídos assustadores._
Estou feliz por aqui. Pela primeira vez na minha vida sou disputada por humanos. Mas uma coisa está me assustando. Ouvi falar que o bonitão vai trazer uma gata chamada Raimundo pra cá. _ Ei! vocês não vão perguntar porque uma gata tem nome de Raimundo?_

Pagode me gusta mucho! - Eugênia Kós

Foi um numero que seduziu Hoachim ...2469...
Numero comum, sem grandes significados...mas não para Hoachim.
Quando ele me encontrou naquela loja chiquézima em Madrid eu reluzia no salão da loja. Sou uma autentica “Barcelona” e, Uma excelente (pra não me desgastar em elogios) criação de Mies van der Rohe (1886-1969), que mais do que qualquer outra, imortalizou este arquiteto como grande ícone do Design do século XX. Além de atuar como professor e diretor da Bauhaus, primeira escola de Desenho Industrial, Mies também é criador de uma das frases mais famosas no design que se aplica até hoje em qualquer área, "Less is more" (Menos é mais).
As mãos bem tratadas de “Ho” alcançaram displicentemente a minha etiqueta e ele viu meu numero enquanto esticava o pescoço para admirar uma moderníssima luminária pendurada no teto que pretendia comprar para Hanz. Ele se apaixonou por mim e me comprou por um preço imperial!
Fiquei tão ansiosa e insegura como noiva de casamento arranjado, afinal não conhecia meus proprietários nem sabia onde ia morar, não conhecia Paris...mas cadeiras não tem opinião.
Fui cuidadosamente encaixotada e despachada para a casa de Hanz e Hoachim.
Em silencio, no centro da sala, encaixotada escutei a chave introduzida na porta. A porta se abriu.
- Cherie, já almoçou ? Nossa, que caixote enorme é esse? Noooosssa, veio daquela loja em Madrid! O que você comprou? Nem me disse nada! O que é, o que é ? Conta looogo!
-É pra você! Abra! Meu presente de aniversário!
- Jura?!!! Ah, querido, o que é?
E foi rasgando os papéis dourados que Ho usara para embrulhar o caixote ...
- Se não gostar pode trocar...
Fitas cortadas, martelo arrancando pregos, bolinhas de isopor por todo o apartamento, os yorks latiando excitados e os risos alegres de ambos. Quando eu finalmente surgi vi os olhinhos azuis de Hanz brilhando
- Uma cadeira Barcelona!!! Autentica!!!Obrigado, querido! Adorei! Sempre quis ter uma assim aqui em casa!
Ele acariciava as minhas almofadas, os yorks pularam sobre mim fazendo cócegas, todos ríamos felizes..
- Toda cromada, que acabamento! Estofamento de pele de cabra! Esse tom de havana é perfeito, combina tão bem com nossa sala! Adoramos!
Hanz abraçava Hoachim com entusiasmo, a sua felicidade era tão contagiante que me senti uma cadeira muito sortuda.
- Observe o numero de serie!- disse Hoachim
Hoachim mostrava uma das tábuas do caixote com o numero estampado, idêntico ao do certificado e da gravação na estrutura cromada.
- 2469! Incrível! Dois de abril de mil novecentos e sessenta e nove, nosso aniversário! Como foi que você encontrou essa jóia?
- Eu não resisti, tinha que comprá-la para nós. Entrei na loja por causa daquela luminária que você se apaixonou na nossa ultima passagem por Madrid, lembra? Mas quando vi a cadeira...
Hanz dava pulinhos de alegria e me arrastou até um lugar de destaque na sala, bem defronte à janela, sobre um belíssimo tapete. Ao longe eu podia admirar a Torre Eiffel. Sobre mim eles dispuseram uma bela almofada de brocado com o monograma do casal bordado em ouro: “H&H”. A coté um baú de sândalo chinês apoiando vaso de raras orquídeas tagarelas que repetiam as histórias vividas em um distante país tropical.
Todas as peças da sala eram estrangeiras. Eu só entendia a lingua das orquídeas, bem parecida com o meu castelhano, fora elas eu não tinha com quem conversar...o tapete falava persa, o baú era chinês, a mesa da sala de jantar era uma sueca gelada, a luminária era russa...Tudo muito lindo mas eu estava deprimida, nada acontecia além das reuniões onde todos circulavam entre betises tilintando cubos prateados de gelo. Ninguém se sentava em mim...eu não era um quadro, gostava de participar, sentia saudades dos tempos da minha infancia vivida na loja em Madrid...
Um dia Hanz e Hoachim brigaram, Hoachim foi embora e levou os yorks... Hanz chorou por meses e meses e meses...eu também, quase enferrujei!
Quando Hanz parou de chorar novas festinhas começaram, sons de bossa nova, um sambinha aqui, um chorinho ali e numa dessas pautas surgiu o Jodilson, um brasileiro. Acariciava o cavaquinho nos bares da Lapa quando foi convidado para se apresentar em Paris. Simpático, moreno de praia, sedutor e animado. O brasileiro foi ficando, cantando, tocando e fazendo Hanz sorrir novamente. Eu também. Logo a casa ficou animada, cheia de pessoas coloridas e balouçantes...a ópera foi substituída por samba e pagode, os copos de cristal por copos de caipirinha.
Jodilson tinha uma irmã, a querida Mariceia, porta-bandeira vitalícia da Magnífica Escola De Samba Abolidos do Irajá. Ela também viera a Paris com a Escola para sambar nos salões parisienses e esquentar o frio inverno da cidade-luz. Num dia de descanso Hanz ofereceu uma “feichoade” à cunhada e aos passistas da escola e, depois de muitos copos, cansada dos saltos astronômicos Maricéia se “ajogou” sobre minhas almofadas para descansar a morenice.
- Cruz credo Hanz, que cadeira mais gostosa!- aconchegou-se suspirando.
O alemão, querendo agradar o namorado Jodilson por tanta felicidade e por te-lo feito esquecer o antigo amor, me presenteou imediatamente para a Mariceia!
Entre pandeiros e cuícas fui novamente despachada de Paris direto para Abolição, Rio de Janeiro, Brasil! Maior calorão, muita cantoria, vozes por todos os lados...No início fiquei assustada mas logo me acostumei.
O marido da Mariceia, um negão muito simpático chamado Jorjão, não gostou do cromado da minha estrutura porque lembrava o pára-choque do seu fenêmê, conseqüentemente lembrava trabalho e esse não era o forte do negão...então ele convenceu Mariceia a deixá-lo me pintar.
Voltou da esquina com as mãos cheias de lixas e trinchas, varsol, estopa, uma latinha de zarcão e outra de tinta esmalte azul real. Estendeu folhas de jornal no chão do quintal e me atacou, arranhou todo o cromo com lixa 120, me besuntou de zarcão laranja, abriu uma cerveja para esperar o zarcão secar e na hora da tinta... borrou de azul as lindas almofadas de pele de cabra havana...
- Xiii, a gostosa vai me matar...
Esse era o apelido “caseiro” da Mariceia por causa da sua cintura fina, quadris largos e o glorioso derriere de passista de pedigree!
Logo ela veio flutuando sobre seus tamanquinhos de verniz que expunham pezinhos bem tratados com unhas pintadas de vermelho-paixão, eu escutava de longe os saltos de madeira marcando os passinhos no chão.
- Nêgo, afasta...Deixa eu ver como tá ficando... JORJÃO!!! você borrou as almofadas! E agora?
- Ah, Gostosa, num briga comigo não...olha só que azulão bonito! Já tenho a solução! Eu já tava até achando mermo que a gente devia fazer umas almofadas coloridas, essas aí não combinam com o nosso “cafôfo”, que vc acha?
- Taí, meu nêgo, gostei da sua ideia! Acho que a cadeira vai ficar muito mais bonita!
Mariceia chamou uma colega para dar opinião, mediram as almofadas e tomaram o rumo de Madureira. Voltaram com um chitão florido e convocaram a costureira da Escola que produziu minhas novas almofadas. Fiquei um espetáculo! Depois da reforma do Jorjão fui aceita pela comunidade e meu numero de serie virou piada lá no bairro. Agora todos sentam em mim durante as famosas feijoadas da Mariceia lá na Abolição.
Ah, e o pagode?
-Pagode me gusta muchissimo!
Hanz, que aparece todo carnaval com Jorjão, me encontrou azulona e achou lindo!
- Que crriatifo, Marriceia! Adorrei esse tecido florrrido! Tão carrrnavalesque! Marravilha!
Logo a batucada recomeça, as caipirinhas alegram a galera e gente, eu tô muito feliz!!!






Cadeira Barcelona
Márcia Almeida, JBblog

Uma excelente criação de Mies van der Rohe (1886-1969), que mais do que qualquer outra, imortalizou este arquiteto como grande ícone do Design do século XX. Além de atuar como professor e diretor da Bauhaus, primeira escola de Desenho Industrial, Mies também é criador de uma das frases mais famosas no design que se aplica até hoje em qualquer área, "Less is more" (Menos é mais).

A cadeira Barcelona foi desenhada especificamente para mobiliar o pavilhão alemão na Feira Mundial de 1929, em Barcelona. Mesmo já tendo várias outras criações, Mies insiste em algo novo devido as exigências que tinha em mente. A cadeira deveria condizer com a idéia de que um pavilhão nacional representava um lugar onde se celebram valores coletivos. Mies adota como referência a sella curulis, cadeira de Estado da antiga Roma, emblema de poder imperial. Já como obra de arte, expressa duplo caráter - graça e dignidade. Uma aula de design clássico, simplicidade e beleza.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

O DESPACHO - Ana Lidia Pimentel

Carlão, Zé, e Norminha, eram amigos de infância. Dividiram o mesmo bairro e a mesma rua por muitos anos. Eram amigos de verdade. Os três estavam sempre juntos. A casa na árvore, construída no quintal de Norminha, era o refúgio deles.
Era na casa da árvore que os meninos perguntavam “coisas de menina” para Norminha que, com ares de professora, discursava com doçura, sobre os assuntos que ela mesma não compreendia muito bem. Da mesma forma, ela perguntava “coisas de menino” para eles que, às gargalhadas respondiam, muito envergonhados, o que supunham ser as respostas certas.
Veio a adolescência e Zé começou a namorar Norminha.
Vieram os anos de faculdade. Norminha formou-se em psicologia, Zé formou-se em direito e Carlão, em economia. Carlão era um verdadeiro “Midas”. Tudo que ele aplicava em operações financeiras aumentava vertiginosamente. Tanto era assim, que Carlão começou a dar consultoria em investimentos, coisa que lhe rendia um bom dinheiro no fim do mês.
Norminha e Zé se casaram. Passados dois meses, Carlão apareceu com uma namorada nova. Chamava-se Marlene. Carlão estava completamente enfeitiçado por ela. Era uma dessas criaturas insuportáveis que só via qualidades, nela mesma e constantemente menosprezava Carlão. A única coisa que ela realmente gostava no Carlão era a generosidade com que ele a presenteava constantemente.
- Essa “piranha” está explorando o Carlão e o bobo nem percebe! – disse Norminha indignada.
- Calma - pediu Zé. - Nós precisamos é fazer alguma coisa para abrir os olhos do Carlão. Vou ter uma conversa com ele. -
Zé chamou Carlão pra conversar e disse tudo que Norminha e ele sentiam a respeito de Marlene. Mas, Carlão estava cego e surdo aos apelos da razão.
Carlão e Marlene se casaram. Marlene continuava menosprezando Carlão, só que agora também o ridicularizava, de preferência, em público, deixando-o constantemente constrangido. Norminha e Zé não achavam aquilo normal num casal com tão pouco tempo de vida em comum.
– “Há algo de podre no reino da Dinamarca!”. –Era o que Norminha costumava dizer.
Algum tempo se passou quando, num belo dia, Norminha viu Marlene entrar no carro de um homem que ela não conseguiu reconhecer. Norminha, que achava Marlene uma “biscateira” não titubeou. Seguiu-os. O carro deles entrou num motel. Norminha ligou imediatamente para o Zé, que partiu, sem pestanejar, para a porta do tal motel, com máquina fotográfica e tudo mais. Na saída do motel, Norminha e Zé testemunharam e fotografaram Marlene, ainda trocando beijos com o tal sujeito.
- Puta que o pariu! A filha da mãe está traindo Carlão! E agora? O que vamos fazer?
– exclamou Zé exaltado.
Norminha e Zé começaram a analisar a situação sob o ponto de vista psicológico e jurídico. Carlão ia se dar mal. Marlene era casada com ele com comunhão parcial de bens. Tudo que Carlão conseguiu juntar, com trabalho, depois do casamento, teria que ser dividido com Marlene. Carlão tinha sido traído e ainda ia ter que dar dinheiro pra vagabunda ir curtir com o amante.
- Quais são os bens do Carlão?- perguntou Norminha.
- O apartamento e o carro. - esclareceu Zé.
- E ele não pode vender?- indagou Norminha.
- Para negociar o carro ele não precisa da assinatura dela, mas o apartamento ele não pode vender sem que ela concorde e assine. - respondeu Zé.
-E se por um milagre, ele conseguisse que ela concordasse e assinasse a venda, o que ele pode fazer com o dinheiro que receber? – perguntou Norminha.
- Bem, em tese, ele pode fazer o que quiser com o produto da venda. - esclareceu Zé.
- Acho que tive uma idéia, mas tudo vai depender de como Carlão vai receber a notícia da traição e do que ele vai querer fazer com a Marlene. Vamos procurar o Carlão. - finalizou Norminha.
Norminha e Zé combinaram um encontro com Carlão, à noite, na casa deles.
Quando Carlão chegou à casa de Zé e Norminha, os amigos começaram a difícil missão de contar sobre a traição de Marlene. Com as fotos, que serviram como prova, não havia como duvidar. Carlão ficou perdeu o chão. Nunca se viu Carlão chorar tanto.
De repente, Carlão parou de chorar e disse - Vou dar o troco nessa vagabunda! Só não sei como. -
- Mas, eu sei! – disse Norminha. – Você vai ter que ter muita coragem e paciência, mas acho que vai dar certo.
Carlão enxugou as lágrimas e começou a prestar atenção a tudo que os dois amigos lhe diziam. Depois de umas duas horas de conversa Carlão disse resoluto: – Eu topo! Faço qualquer coisa para que Marlene não leve a melhor. –
Carlão foi para casa.
Marlene, que o esperava, indagou. – Isto são horas?-
- Desculpe-me, meu amor, tive que jantar com um cliente e... sabe como é... - disse Carlão mentindo.
- Tá. Eu vou dormir. - disse a megera.
Carlão ficou na sala refletindo um pouco. Repetia para ele mesmo que não podia deixar que ela desconfiasse de nada. Um pouco mais calmo, foi tentar dormir também.
No dia seguinte, bem cedo, Carlão começou a por em ação o plano.
_ Estive pensando... – começou Carlão.
- Pensando? Você? - debochou Marlene.
Carlão apertou uma mão contra a outra com força pra não perder o controle.
- Pois é. Estive pensando que poderíamos nos mudar deste bairro e ir para um bairro melhor. Que tal?- perguntou Carlão.
Marlene ficou radiante e foi logo dizendo: – Que maravilha! É tudo com o que sonhei!
- Bem, então, vou procurar um novo apartamento. OK? – Perguntou Carlão.
_ OK!OK!- respondeu a interesseira.
Dois dias se passaram e Carlão levou Marlene para visitar um apartamento que ele havia selecionado. Era um excelente apartamento em um bairro classe A.
Marlene ao ver o apartamento logo se encantou.
- É esse! É esse! - disse Marlene quase sem respirar.
- Parece ser bem caro. - disse Carlão.
- Por favor! Pelo nosso amor! Vamos comprar este! – implorou a vagabunda.
- Está bem. Vou ver o que se pode fazer. – disse Carlão.
No dia seguinte, Carlão chegou em casa cabisbaixo e Marlene perguntou o que estava havendo.
-É que o apartamento que você gostou é mais caro do que pensei. Não vamos poder comprá-lo. - lamentou Carlão.
_ Ah! Não... Não vou me conformar. Você vai ter que dar um jeito. – disse ela emburrada.
-Bem, na verdade, existe uma solução, mas não acho que seja a mais indicada.
Teríamos que vender este apartamento onde moramos para dar de entrada no outro.
O restante terá que ser pago em prestações. – esclareceu Carlão.
- Então é isso que vamos fazer! Não tem mais discussão. Vamos vender este apartamento pra poder comprar o outro. - decidiu Marlene.
- Está bem. Se você quer assim meu amor... Depois não diga que não te orientei bem. – advertiu Carlão.
- Eu não preciso de você para me orientar. Vamos fechar negócio. – concluiu Marlene.
Uma semana depois, Marlene e Carlão foram ao cartório assinar a escritura de venda do apartamento. Carlão recebeu a quantia em dólares, dizendo ser exigência do novo proprietário do apartamento. Marlene voltou para casa, enquanto Carlão, que disse que iria dar o sinal do apartamento novo, pegar recibo e tratar dos papéis de compra, na realidade, foi ao escritório de Zé que já o estava esperando.
No dia seguinte, Carlão, como sempre fazia, saiu para trabalhar. Marlene, como já era de se esperar, foi encontrar-se com o amante. Carlão, que desta vez, não havia se afastado da esquina, viu Marlene pegar um táxi.
Ele voltou ao apartamento. Em seguida chegaram Norminha e Zé. Os três conversaram bastante e acertaram os detalhes finais do plano. Norminha e Zé saíram para por mãos à obra. Carlão escreveu um bilhete, pegou uma pequena valise com uma muda de roupa e saiu batendo a porta do apartamento. Passou pela portaria, cumprimentou o porteiro e ganhou a rua. Nunca mais ninguém o viu por aquelas bandas.
No fim da tarde, Marlene voltou ao apartamento. Surpresa, ela encontrou o apartamento completamente vazio e apenas um bilhete dizendo: “Antes tarde do que nunca. Adeus”. Ainda atordoada, não conseguia entender o que havia acontecido.
Correu ao novo apartamento e ao chegar lá, viu uma mudança entrando. Mas, não era a sua mudança. Agora, estava tudo muito claro. Ela havia sido enganada por Carlão.
Voltou ao antigo apartamento completamente vazio e de lá, ligou para o Zé.
- Alô, Zé? Já entendi tudo. Mas, eu tenho meus direitos! – esbravejou ela.
- Direitos sobre o quê? – perguntou Zé.
- Sobre tudo o que é do Carlão. Meio a meio. – disse ela.
- E o que é que é do Carlão?- indagou Zé.
- O carro, o apartamento... Tudo! – berrou Marlene muito irritada.
- Que carro? Que apartamento? – ironizou Zé.
- Filho da mãe! Aquele idiota me passou para trás e vocês o ajudaram! Eu... – Marlene ouve um clique. - Alô! Alô!... Desligou!
Do outro lado, Zé e Norminha comemoravam o sucesso do plano.
No dia seguinte Zé entrou com o pedido de divórcio de Carlão. Sem bens a dividir, sem filhos e com as provas de adultério, o processo correu sem problemas e quando ficou concluído, Zé e Norminha foram dar a notícia a Carlão. Morando numa casa alugada na praia, Carlão nem parecia aquele de antigamente. Estava bem, mas ansioso para retomar sua vida e seu trabalho, sem temores.
-E aí trouxeram o despacho?- perguntou Carlão rindo
-Claro que trouxemos o despacho! O do juiz. – responderam, rindo também.
- E que DESPACHO!- disseram os três em coro e rindo.
E Carlão aliviado finalizou: – Este é o despacho que despachou a megera! -

terça-feira, 13 de novembro de 2007

QUEM SE LEMBRA DO FARINHA? - Guga Casari

As areias do tempo engolem cruéis a pegada de homens comuns. Por que com Otávio seria diferente. As palavras que evitavam sair de sua boca por causa da gagueira eram pronunciadas com alento apenas suficiente para romper a distancia entre ele e o próximo. Andava de lado em ritmo próprio, sempre tropeçando em degraus impostos por sua perna mais curta. E como tinha a pele muito clara, era quase albino e não pôde ir trabalhar na roça. Por isso o pai lhe ensinou alguns rudimentos do oficio de carpinteiro vendo nisso uma solução para o menino conseguir oficio. Nas fabricas onde trabalhou não tinha antipatias, nem grandes amizades, e como tinha começado a trabalhar muito jovem aposentou-se cedo. O único reconhecimento duradouro que recebeu de seus pares foi o apelido de Farinha, por que, coberto de pó de serra, o branco Otávio era uma imagem notável.

Noivou apenas uma vez, o nome da moça era Leopoldina. Para Ele, Leopoldina foi um anjo que o aceitou, mas ela morreu bem antes que pudessem falar de casamento. Tímido, ele nunca mais conseguiu se aproximar de outra, conformando-se com a solidão.

São Francisco era o santo de sua devoção discreta, para o qual sempre orava. Fora o trabalho era seu companheiro de todo momento. Isso sem contar com os que eram seus únicos amigos, André e o Zé Formiga. O rústico e simples André era canteiro, um tipo que já não se encontra mais, Ele dava forma a pedra com ponteiros de ferro. Zé formiga era um negro alto e bem magro sempre muito calado, uma chaminé constantemente fumando. Apontava o jogo do bicho ali na região. Diziam que era “pé frio”, pois ninguém que apostou com ele nunca ganhou muito dinheiro.

Otávio morava num quartinho do sobrado azul na Rua Sete de Abril. Comia sempre na pensão da Dirce, já que a comida lá não era ruim, e na média dessas coisas até que o lugar era limpo, se você relevasse o verniz de frituras sem fim na parede.

Depois de se aposentar Otávio continuou a fazer biscates. A aposentadoria, claro, era pouca e um troco a mais era bem vindo, mas o motivo real era que o trabalho era tudo o que conhecia. Quando trabalhava se sentia bem e em paz. Trabalhava quieto, não gostava nem de rádio ligado. As vezes parecia antipático porque se alguém chegasse de repente pra falar algo ele custava a deixar o que estava fazendo. Isso lhe trazia poucos clientes, mas também lhe afastou de muitos azares. Sem o convívio diário com colegas de fábrica, Otávio se voltou ainda mais para dentro, se tornou alheio do mundo e das pessoas em geral.

Faleceu quando estava florida a cerejeira japonesa ao lado de sua pequena oficina. André que achou estranho Otavio não aparecer pro jogo de damas, o encontrou naquele domingo, justo para o descanso. Seria enterrado como indigente não fosse pelas economias deixadas numa latinha de leite em pó, exatamente bastantes para o seu funeral. Os dois amigos cuidaram do enterro simples no caixão de pinho. Não ficaram pendências, suas encomendas estavam todas entregues.

Fora Zé Formiga, a Odélia cozinheira da pensão, André e Marcelo que era seu aprendiz ninguém foi velar Otávio. Os quatro que foram notaram que o falecido tinha a face tranqüila.

No quarto do sobrado não ficou nada que indicasse quem havia morado lá, quase no mesmo dia do enterro a TV sumiu e o dono do quarto mandou jogar fora a geladeira velha, com o fogareiro enferrujado, mais todo o resto que havia. As ferramentas ficaram com Marcelo. O dono da garagem onde era a oficina ficou com a serra elétrica pelo pagamento de alugueis.

Otávio não deixou nada pra traz. Não se sabia se tinha família, primos, irmãos. Dos que poderiam se lembrar dele André se foi primeiro, falecendo logo depois do amigo. Zé Formiga foi apontar o bicho noutra região, onde não sabiam do seu pé frio. E quem fosse à pensão da Dirce meses depois já não a encontraria mais lá, Odélia que segurava o tranco da birosca pediu as contas sem explicação, e mudou de cidade.

Sem deixar pista, Otavio e sua vida poderiam bem ter evaporado, ou nem existido.

Só que não foi assim que aconteceu.

Os monges do mosteiro que não conheceram Otávio, o têm no coração com carinho. Vêem no altar nascido da prancha grossa de madeira, antes usada pra subir um pesado trator de esteira num caminhão, a dedicação absoluta do artesão. Este altar foi uma de suas últimas obras, e conta um milhão de histórias, parecendo amparar as dores, sofrimento e o próprio peso do mundo, dum modo tão leve, gracioso e discreto que assombra.

A velha senhora não sabe quem produziu o pequeno castiçal pelo qual tem grande apreço. Achou-o numa loja. Especial na aparência por um pequeno nó na madeira, e pela forma que suas fibras se trançam no seu torneado. Para ela é um companheiro corajoso de orações nas suas noites insones, que a diverte pelo absurdo. Um castiçal de madeira que pode se inflamar, consumido pela luz que serve.

O Professor não sabe quem fez a caixinha lisa e encaixada que sempre se quer tocar. Foi um presente de aniversário da esposa. Eles a usam para guardar e proteger bons sentimentos, escritos em papelotes coloridos.

Odélia, a cozinheira da pensão, cozinhou para Otávio tantas vezes sem nunca trocarem uma palavra, até aquela ultima sexta feira. Naquele dia Odélia tinha errado no sal da couve e no tempero do feijão, coisa que nunca acontecia, e Otávio a viu chorando, cansada e sem esperança. Descobriu que o filho tinha roubado suas economias, guardadas para tratar da vista da sobrinha. Num gesto Otávio lhe fez uma banqueta e a presenteou.

– Pro seu descanso Dona Odélia.

Foi só o que disse, talvez suas últimas palavras, que lhe saíram claras e sem titubeios.

Odélia sentou-se e descansou as pernas cheias de varizes, grata lhe deu um beijo no rosto e fritou pasteis inesquecíveis. Nessa banqueta Odélia descansou muito, e se refez. Lembrou do amor ao filho, planejando a aproximação. Naquele templo minúsculo Odélia abraçou o rapaz, choraram juntos, e Ele jurou se emendar. Emendando-se achou um bom caminho, nesse bom caminho casou e teve um filho que amava. Um simples gesto compassivo de amor, gravado na eternidade do Coração.

Por Guga Casari

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

NAVEGAR...E´ PRECISO? - Eugênia Kós

Eu nao sabia o que mais amedrontava meu pai, se o barco velho ou o genro novo.
- Minha filha, você tem certeza de que é seguro?
O barco velho chamava-se Lépido. Era um veleirinho de madeira, 27 pés, feio e apertado mas era o orgulho do genro do meu pai, e meu também.
Era muito estável e veloz, ostentando as velas brancas no topo do mastro ele deslizava oblique ao mar com a elegancia de quem tem pedigree. For a d’água e sem pudor nenhum ele exibia todos os seus motivos: uma quilha de 1,80 m arrematada por um pesado torpedo de chumbo surpreendentemente voltada para a proa o que dava a impressão de alguém tê-la posicionado ao contrário.
Marcos era o capitão daquela “máquina” `a vela que nos levaria às paradisíacas praias da Ilha Grande no feriadão. Eu confiava no veleiro e na competência do capitão apoiada na minha completa inexperiência… Aquela seria a minha estréia em mar aberto.
Ainda estava escuro quando despertamos.
Eu, saltitante em havaianas brancas fiz uma revisão mental da bagagem enquanto escovava trinta e dois dentes. Nina vinha sonolenta arrastando os chinelinhos. Carimbei um beijo estalado em sua bochecha para incentiva-la na eardua caminhada até o sabonete.
- Bom dia, princesa, dormiu bem?
Ela grunhiu um adolescente “Hãnhãn…”
- Não esquece de levar um livro…vamos passar dias sem televisão…
- Ihh, mãe!..tá legal...saco!
Na sala do apartamento já aguardavam dois volumosos sacos de velas, bagagem, guloseimas, ferramentas…e uma garrafa de uísque. Torci meu inútil nariz de tripulante para a garrafa do capitão mas o capitão foi inflexível: pelas leis de Netuno o uísque é permitido a bordo como combustível energético. e quem manda é o capitão. Å garrafa seria embarcada e a tripulação que se confomasse…
Como eu estava feliz com a chance de reunir minha familhinha decidi que nada me aborreceria. Estava apaixonada, o barco era lindo e eu pretendia pescar nada menos que uma gorda anchova.
Chegando ao clube pulei para o convés do barco a fim de cumprir minhas tarefas de cabine. No pier Marcos conversava com um amigo e escutei algo sobre nuvens e frentes frias…Interpelei imediatamente o capitão:
- Marcos, por um acaso eu ouvi o caro colega mencionar uma frente fria chegando ao Rio?
Impaciente mas com a intenção de me tranquilizar , ele esclareceu em voz alta:
- Eu vi! Não se preocupe. A nuvenzinha do mapa é tão desprezível que não vai atrapalhar nosso fim de semana.
Confiante continuei nas minhas tarefas organizando meu veleirinho pequeno e frágil e, por um Segundo, me senti apreensiva. Mas passou logo.
Empurrei os sacos de vela para o lado a fim de conseguir um espaço confortável para Nina se aconchegar no balanço das ondas.
- Todos a bordo – conclama o capitão – o barco vai partir!
Marcos ligou o motor ingles que “nunca enguiçava” e partimos levando nossos planos felizes.
No barulho do motor 2 tempos o dia amanheceu menos glorioso do que eu gostaria. Admirei a imponência do Pão de Açúcar e depois estiquei o olhar até o horizonte. Lá for a os “carneirinhos” mostravam que o vento estava forte. Nada bom…
- Preparem-se, vamos chacoalhar muito – falei para meus apreensivos botõezinhos
Retomei as atividades e Nina resmungou porque a acordei durante as minhas manobras com as velas.
- Ops, filha. Tô te atrapalhando, né? Desculpe, é rapidinho…
O vento soprava de frente levantando a proa e afrontando nosso corajoso Lépido que corcoveava avançando, com a ajuda do motor, de encontro ao sudoeste.
De repente nosso Seagull, aquele tal motor que nunca enguiçava, engoliu um saco plástico, engasgou, tossiu e…morreu!
No refexo do olhar do capitão entendi que a manobra teria que ser rápida, alcancei o cabo da vela que descansava na proa, enrolei-o na catraca e fui rodando a manivela até que a vela alcançasse o topo do mastro, o capitão acertou a regulagem dos panos com precisão e o vento assumiu seu posto. Lépido respondeu adernando como um veleiro de raça, sensível e obediente aos comandos.
Nina apareceu da porta da cabine, observou o horizonte e diante da imensa nuvem escura que viu sugeriu que voltássemos para casa.
Eu achei que a sugestão era bastante sensata mas o capitão respondeu com fé:
- Calma aí! De jeito nenhum! Você vai ver a praia que nós vamos curtir amanhã
Observei Nina voltar para o seu aconchego num resmungo desdenhoso
– Até parece…praia amanhã…?
A âncora, os cabos, os coletes salva-vidas estavam sob uma montanha de bagagens… Mas claro que não seriam necessários. Afastei os maus pensamentos,
Mas por causa de outros maus pensamentos lembrei que não havia nenhum lugar abrigado entre o Rio de Janeiro e a Ilha Grande…
O vento aumentava, a chuva engrossava, nada ficava no lugar. Só Nina…quietinha e encolhida na proa. O veleiro encontrava muita dificuldade para prosseguir porque estávamos com uma vela inadequada.
- Marcos, cadê a storm-jib!?
Percebi que ele engoliu em seco.
- Eu não trouxe, achei que não íamos precisar…
E agora? E agora???! Nossa storm-jib, a vela de tempestade, a única vela adequada não estava no barco! Minha confiança no capitão foi por água abaixo, fiquei furiosa com a irresponsabilidade. Temi por nós, principalmente por minha filha. Por outro lado não seria sensato discutirmos naquele momento portanto só me restava colaborar. A inconsequência teria que ser compensada pelo talento e Marcos precisaria de ajuda.
E tudo piorava, o radio ficou sem bateria, o dia escureceu, o vento apertou, a chuva engrossou e o medo ia me intoxicando. O barco chacoalhava, tremia, subia e descia, corcoveava, brigava com as ondas, não queria desistir mas também não avançava dinte do voluntarioso sudoeste.
Ilha Grande estava à vista, tão perto…
- Vamos voltar!! – subitamente veio a decisão do capitão .
- O que??? Mas Ilha Grande está alí!
- Não vamos conseguir, Olívia! São cinco da tarde, já está escurecendo.
Estávamos velejando há dez horas!
Sem hesitar, numa manobra rápida Marcos girou o barco e Lépido atingiu uma velocidade que eu nunca vira antes. O mastro vibrava assustadoramente enquanto eu recolhia vela de proa. Rezei todas as orações conhecidas porque perder o mastro alí seria muito pior do que aterrorizante.
A água invadia a cabine e eu enchia, para depois esvaziar, baldes e mais baldes de mar para aliviar o peso do barco.
A paisagem desapareceu no lusco-fusco da tarde mal-humorada. Nosso caminho logo ficaria na mais completa escuridão e barco não tem farol!
Marcos se sentia heróico, cheio de adrenalina enfrentava a natureza como um Ulisses demente!
Eu estava em pânico, um sono insuportável me invadiu e manter os olhos abertos com as pálpebras tão pesadas se tornara muito difícil, a reação física me assustava porque era desconhecida e eu não sabia como supera-la! Meu coração batia na boca…
E se aquele irresponsável caísse na água? E se o barco afundasse? E se…? E se…? Eu não saberia o que fazer . Precisava muito dele e me esforçava muito para abrir os olhos depois das longas piscadas, só para comprovar se ele ainda estava no leme.
Por devoção a Netuno recorri à garrafa de uísque. Depois de duas ou tres doses uma vaca já mugia dentro de mim. Não… talvez fosse um touro, um miúra negro, preso e furioso, escavando o chão com os cascos, exigindo uma morte sangrenta! Estava dividida entre essa enorme vontade de assassinar o capitão e outra de chorar no ombro dele…
Graças à Iemanjá, a Deus e a todos os santos o capitão continuava dominando a situação. Eu o observava atentamente e, se vislumbrasse o menor sinal de apreensão nele, desabaria. Parecia um filme de terror ao vivo! O oceano estava dentro do barco e o barulho era apavorante.
As únicas luzes na noite eram as dos prédios, postes e faróis dos carros circulando nas ruas da Barra. No elevado do Joá os carros passavam inocentes. As enormes ondas se esticavam tentando alcança-los, rugiam furiosas mostrando os dentes, espumavam de raiva, investindo contra a encosta de pedra.
Passamos no escuro, silenciosos, invisíveis. Nem as ondas, nem meu pai sabiam onde estávamos. Ninguém sabia. Só Netuno.
Sozinha, sentada no fundo do barco eu observava a cena surrealista da água correndo de proa à pôpa como num rio dentro da cabine. Minhas pernas obstruíam o curso d’água provocando ondas que, ao encontrar o dique humano, quebravam me encharcando até a alma. Nada continuava seco ou imóvel. Só Nina, sobre o beliche da proa.
Marcos recebia suas doses de uísque sorrindo torto para me tranquilizar e eu continha minha fúria assassina enchendo baldinhos com água do mar.
Rezei até para Sao Conrado que surgiu diante dos meus olhos, depois Niemeyer, e olha alí o Vidigal…LeblonIpanemaArpoadorCopacabanaLemePraiavermelha…olha! O Pão de Açucar! Olha o Pão de Açúcar!!!!
- Nina, Nina, o Pão de Açúcar!!! Estamos chegando!
Nina veio e me apertou num abraço e eu percebi o quanto ela estivera também assustada. Ignoramos o capitão e comemoramos en petit comité.
A majestosa pedreira não se abalava com as enlouquecidas ondas que a mordiam. Enquanto passávamos ela nos observava enigmática, como fazem as esfinges idôneas, ao mesmo tempo que se divertia com a nossa fragilidade.
Lépido parecia uma caixinha de fósforos flutuando frenéticamente sobre o caos das ondas embaralhadas e ventos desnorteados na entrada da baía.
Finalmente, às dez da noite, entramos nas águas abrigadas. A aventura durara quinze longas horas! Estávamos exaustos, molhados, famintos e sem velas adequadas. E sem motor…Era óbvio que o barquinho, que brigara tanto para chegar, não conseguiria alcançar o distante objetivo no clube em Niterói. E também não era uma opção jogar a âncora em qualquer lugar porque havia o risco de atropelamento por navio cego… Por estarmos indecisos deixamos o barco correr…
O veleirinho, cansado e corajoso, aproveitou a inércia e nos levou até bem perto de um enorme e escuro iate que parecia adormecido, incógnito e silencioso no seu canto. Que iate seria aquele?
Alcancei a única lanterna que ainda funcionava e procurei seu nome no casco…o facho de luz revelou que era o Lady Laura!
Aquele seria um colinho e tanto! Será que o Roberto aprovaria?
Como atrevidos vira-latas que encontram uma portaria segura para dormir resolvemos nos aconchegar alí mesmo. A sensação de alívio provocou gargalhadas e fomos dormir molhados e famintos porque nada mais parecia importar, afinal estávamos no colo da mãe do Roberto, o colo mais famoso do Brasil!

O LIVRO – Heloisa Ausier

Hoje me pergunto por que só naquele dia percebi a beleza de Marina. Apesar de cumprimentá-la todos os dias ao passar por seu sebo de livros, o “Don Quixote”, não imaginava que um dia ao entrar ali, minha vida seria definitivamente mudada.
Como sempre costumava fazer ao voltar da faculdade, entrei no sebo para procurar algo diferente para ler. Tinha lido há uns dias, as primeiras páginas de “O Pêndulo de Foucault” na internet, e excelentes críticas ao seu autor, Umberto Eco. Olhei em todas as prateleiras e não o achei, mas dei de cara com um outro livro dele que me interessou. Comecei a folheá-lo e na primeira página percebi uma dedicatória que me chamou a atenção. “Foi então que vi o Pêndulo... Lembra? Paris, 1991! Que continuemos juntas a desvendar cada segredo do amor e dos livros. E que Paris esteja sempre em nossas vidas!” Assinado “Anita”.
“Foi então que vi o Pêndulo.”, era a primeira frase do livro que eu estava procurando. Obviamente quem escreveu a dedicatória, datada de quinze anos antes, o tinha lido. Totalmente decidido a comprá-lo, tirei minhas economias do bolso da calça. Marina que estava tomando distraidamente uma caneca de café fumegante tomou um susto ao se deparar com aquela capa. Procurou imediatamente a primeira página e ao achar o que procurava, disse-me que aquele livro não estava à venda. Desculpou-se me explicando que ele estava na prateleira por engano. Senti que Marina estava extremamente constrangida com a situação, mas irredutível, quase histérica com a possibilidade de perdê-lo.
— É seu esse livro? — perguntei.
— Sim, não sei como ele foi parar na estante. — Respondeu ela.
— Essa dedicatória foi escrita para você? — Insisti.
— Foi. — Respondeu Marina mexendo sem jeito em seus cabelos encaracolados.
O telefone tocou, e ela atendeu. Fui até a outra sala procurar outro livro e voltei a tempo de ouvir o final do telefonema.
— Sozinha. O sebo está indo bem e saio com os amigos. Para mim, basta por enquanto. Não sei se quero me envolver com alguém tão cedo. — falou Marina.
Não ouvi o que a outra pessoa retrucou, mas Marina continuou.
— Agora é que você resolveu se preocupar comigo? Quando foi embora por causa daquela mulher não pensou nisso. Eu estou bem. Estou até pensando em sair... — Marina parou ao me ver chegar.
Fiquei sem graça e fingi estar olhando outra estante e ela continuou.
— ... com uma pessoa que está sempre aqui no sebo. Você sabe que tenho um fraco pelos leitores compulsivos — disse Marina rindo.
A outra retrucou alguma coisa, e Marina respondeu baixo colocando a mão no bocal do telefone.
— Não me venha com essa história de “você é que sabe”! Claro que só eu é que sei. To legal, Anita! De verdade! E se o carinha continuar a aparecer sempre no sebo com cara de garoto abandonado, eu vou fundo mesmo.
Logo após a outra falar alguma coisa, Marina se despediu sem perceber que eu tinha ouvido o resto da conversa. “Será que eu era a pessoa com quem ela pretendia sair?” conjecturei.
Desembolsei uma merreca para comprar um livro de bolso, me despedi dela e me mandei pensando que provavelmente aquela ao telefone era a Anita.
Minha necessidade em conhecer a história daquelas mulheres se tornou iminente. Estava profundamente confuso e atraído por tudo aquilo. Marina era a ligação com Anita e mais ainda, era o próprio alvo de sua dedicatória. Procurei-a no dia seguinte no sebo. Queria saber sobre a dedicatória.
— Por que você acha que eu tenho que te contar a história da dedicatória? — perguntou Marina?
— Porque eu fui compreensivo quando você não quis me vender o livro, então mereço ter minha curiosidade saciada. — disse eu sem muita convicção, mas jogando todo o meu charme.
— Vou te contar, não porque ache que você merece e sim porque não agüento mais ficar fingindo que a minha vida antes de eu vir para essa cidade não existia. — disse ela. — e também porque você é um cara muito gracinha.
— Estou ouvindo — disse, olhando dentro de seus olhos.
— Ta legal! Há vinte e três anos quando fazia universidade me apaixonei pela professora de francês. A paixão foi recíproca e logo estávamos morando juntas, num apartamento pequeno e cheio de livros. — Marina tirou da testa um cacho dos cabelos e continuou. — Moramos durante um ano em Paris, em 1991, quando Anita fez um curso de pós-graduação. Foi lá que adquirimos o hábito de ler alguns livros ao mesmo tempo e discuti-los. Para isso muitas vezes compramos dois exemplares do mesmo título. “O Pêndulo de Foucault” foi o primeiro livro que lemos juntas em Paris.
— Por isso então a dedicatória com a primeira frase? — perguntei.
— Sim, esse livro nos marcou profundamente. — respondeu Marina.
Estava na hora dela fechar a livraria, combinamos sair mais tarde.
O céu estava estrelado e a lua estava quase cheia. Andamos até achar um barzinho num porão com pouca luz e nenhuma badalação. Eu estava ansioso por conhecer melhor aquela mulher e sua vida, e ela parecia aliviada em poder contar seu drama a alguém realmente interessado em ouvir. A história de amor entre Marina e Anita não começou nem acabou de maneira diferente da história da maioria dos casais. Houve cumplicidade, companheirismo e traição!
Depois de uma pizza e algumas taças de vinho, fomos para casa conversando. Quanto mais ela falava de sua amada, mais instigado eu ficava. Já não sabia qual das duas mulheres me atraía mais. O fato é que eu estava totalmente embriagado por toda aquela história de amor. Já conseguia imaginar a mulher que eu não conhecia. Sentia seu perfume, ouvia sua voz, entendia seus pensamentos. Paramos na frente da casa de Marina, e num impulso dei-lhe um beijo. Nossas bocas se acharam com a facilidade de velhos amantes, e as línguas dançaram num ritmo frenético e apaixonado. Em poucos minutos estávamos na cama, e eu estava descobrindo uma mulher meiga e sensual. Depois de esgotarmos nossa sede de sexo, deitamos de costas e ficamos assim um tempo. Olhei para a estante e lá estava um porta retrato com uma foto. “Provavelmente era Anita” pensei. O outro lado do triângulo. Lembrei de uma música que dizia: “Why can't we go on as three?”.
Não imaginava como seria minha vida dali em diante, mas estava resolvido a aproveitar cada momento. Enquanto Marina fazia café na cozinha, por força do hábito, dei uma olhada nos livros. Reconheci a lombada de um, me levantei e o puxei. Não consegui abrir nem ler a primeira frase. Marina estava me segurando por trás. Senti sua boca nas minhas costas e suas mãos escorregando pela minha cintura. Meu corpo tremeu de desejo. Deixei o livro de lado.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Niver da Mestra!

Pois é... este "niver" foi o máximo! Com direito a torta de chocolate crocante e discurso da "nossa" inspiradíssima Wilma. Aí estão as fotos do evento devidamente documentado pela fotógrafa de plantão Geka!



Nossa mestra iluminada (como diz a Geka)
Parabéns Virginia!