quarta-feira, 14 de novembro de 2007

O DESPACHO - Ana Lidia Pimentel

Carlão, Zé, e Norminha, eram amigos de infância. Dividiram o mesmo bairro e a mesma rua por muitos anos. Eram amigos de verdade. Os três estavam sempre juntos. A casa na árvore, construída no quintal de Norminha, era o refúgio deles.
Era na casa da árvore que os meninos perguntavam “coisas de menina” para Norminha que, com ares de professora, discursava com doçura, sobre os assuntos que ela mesma não compreendia muito bem. Da mesma forma, ela perguntava “coisas de menino” para eles que, às gargalhadas respondiam, muito envergonhados, o que supunham ser as respostas certas.
Veio a adolescência e Zé começou a namorar Norminha.
Vieram os anos de faculdade. Norminha formou-se em psicologia, Zé formou-se em direito e Carlão, em economia. Carlão era um verdadeiro “Midas”. Tudo que ele aplicava em operações financeiras aumentava vertiginosamente. Tanto era assim, que Carlão começou a dar consultoria em investimentos, coisa que lhe rendia um bom dinheiro no fim do mês.
Norminha e Zé se casaram. Passados dois meses, Carlão apareceu com uma namorada nova. Chamava-se Marlene. Carlão estava completamente enfeitiçado por ela. Era uma dessas criaturas insuportáveis que só via qualidades, nela mesma e constantemente menosprezava Carlão. A única coisa que ela realmente gostava no Carlão era a generosidade com que ele a presenteava constantemente.
- Essa “piranha” está explorando o Carlão e o bobo nem percebe! – disse Norminha indignada.
- Calma - pediu Zé. - Nós precisamos é fazer alguma coisa para abrir os olhos do Carlão. Vou ter uma conversa com ele. -
Zé chamou Carlão pra conversar e disse tudo que Norminha e ele sentiam a respeito de Marlene. Mas, Carlão estava cego e surdo aos apelos da razão.
Carlão e Marlene se casaram. Marlene continuava menosprezando Carlão, só que agora também o ridicularizava, de preferência, em público, deixando-o constantemente constrangido. Norminha e Zé não achavam aquilo normal num casal com tão pouco tempo de vida em comum.
– “Há algo de podre no reino da Dinamarca!”. –Era o que Norminha costumava dizer.
Algum tempo se passou quando, num belo dia, Norminha viu Marlene entrar no carro de um homem que ela não conseguiu reconhecer. Norminha, que achava Marlene uma “biscateira” não titubeou. Seguiu-os. O carro deles entrou num motel. Norminha ligou imediatamente para o Zé, que partiu, sem pestanejar, para a porta do tal motel, com máquina fotográfica e tudo mais. Na saída do motel, Norminha e Zé testemunharam e fotografaram Marlene, ainda trocando beijos com o tal sujeito.
- Puta que o pariu! A filha da mãe está traindo Carlão! E agora? O que vamos fazer?
– exclamou Zé exaltado.
Norminha e Zé começaram a analisar a situação sob o ponto de vista psicológico e jurídico. Carlão ia se dar mal. Marlene era casada com ele com comunhão parcial de bens. Tudo que Carlão conseguiu juntar, com trabalho, depois do casamento, teria que ser dividido com Marlene. Carlão tinha sido traído e ainda ia ter que dar dinheiro pra vagabunda ir curtir com o amante.
- Quais são os bens do Carlão?- perguntou Norminha.
- O apartamento e o carro. - esclareceu Zé.
- E ele não pode vender?- indagou Norminha.
- Para negociar o carro ele não precisa da assinatura dela, mas o apartamento ele não pode vender sem que ela concorde e assine. - respondeu Zé.
-E se por um milagre, ele conseguisse que ela concordasse e assinasse a venda, o que ele pode fazer com o dinheiro que receber? – perguntou Norminha.
- Bem, em tese, ele pode fazer o que quiser com o produto da venda. - esclareceu Zé.
- Acho que tive uma idéia, mas tudo vai depender de como Carlão vai receber a notícia da traição e do que ele vai querer fazer com a Marlene. Vamos procurar o Carlão. - finalizou Norminha.
Norminha e Zé combinaram um encontro com Carlão, à noite, na casa deles.
Quando Carlão chegou à casa de Zé e Norminha, os amigos começaram a difícil missão de contar sobre a traição de Marlene. Com as fotos, que serviram como prova, não havia como duvidar. Carlão ficou perdeu o chão. Nunca se viu Carlão chorar tanto.
De repente, Carlão parou de chorar e disse - Vou dar o troco nessa vagabunda! Só não sei como. -
- Mas, eu sei! – disse Norminha. – Você vai ter que ter muita coragem e paciência, mas acho que vai dar certo.
Carlão enxugou as lágrimas e começou a prestar atenção a tudo que os dois amigos lhe diziam. Depois de umas duas horas de conversa Carlão disse resoluto: – Eu topo! Faço qualquer coisa para que Marlene não leve a melhor. –
Carlão foi para casa.
Marlene, que o esperava, indagou. – Isto são horas?-
- Desculpe-me, meu amor, tive que jantar com um cliente e... sabe como é... - disse Carlão mentindo.
- Tá. Eu vou dormir. - disse a megera.
Carlão ficou na sala refletindo um pouco. Repetia para ele mesmo que não podia deixar que ela desconfiasse de nada. Um pouco mais calmo, foi tentar dormir também.
No dia seguinte, bem cedo, Carlão começou a por em ação o plano.
_ Estive pensando... – começou Carlão.
- Pensando? Você? - debochou Marlene.
Carlão apertou uma mão contra a outra com força pra não perder o controle.
- Pois é. Estive pensando que poderíamos nos mudar deste bairro e ir para um bairro melhor. Que tal?- perguntou Carlão.
Marlene ficou radiante e foi logo dizendo: – Que maravilha! É tudo com o que sonhei!
- Bem, então, vou procurar um novo apartamento. OK? – Perguntou Carlão.
_ OK!OK!- respondeu a interesseira.
Dois dias se passaram e Carlão levou Marlene para visitar um apartamento que ele havia selecionado. Era um excelente apartamento em um bairro classe A.
Marlene ao ver o apartamento logo se encantou.
- É esse! É esse! - disse Marlene quase sem respirar.
- Parece ser bem caro. - disse Carlão.
- Por favor! Pelo nosso amor! Vamos comprar este! – implorou a vagabunda.
- Está bem. Vou ver o que se pode fazer. – disse Carlão.
No dia seguinte, Carlão chegou em casa cabisbaixo e Marlene perguntou o que estava havendo.
-É que o apartamento que você gostou é mais caro do que pensei. Não vamos poder comprá-lo. - lamentou Carlão.
_ Ah! Não... Não vou me conformar. Você vai ter que dar um jeito. – disse ela emburrada.
-Bem, na verdade, existe uma solução, mas não acho que seja a mais indicada.
Teríamos que vender este apartamento onde moramos para dar de entrada no outro.
O restante terá que ser pago em prestações. – esclareceu Carlão.
- Então é isso que vamos fazer! Não tem mais discussão. Vamos vender este apartamento pra poder comprar o outro. - decidiu Marlene.
- Está bem. Se você quer assim meu amor... Depois não diga que não te orientei bem. – advertiu Carlão.
- Eu não preciso de você para me orientar. Vamos fechar negócio. – concluiu Marlene.
Uma semana depois, Marlene e Carlão foram ao cartório assinar a escritura de venda do apartamento. Carlão recebeu a quantia em dólares, dizendo ser exigência do novo proprietário do apartamento. Marlene voltou para casa, enquanto Carlão, que disse que iria dar o sinal do apartamento novo, pegar recibo e tratar dos papéis de compra, na realidade, foi ao escritório de Zé que já o estava esperando.
No dia seguinte, Carlão, como sempre fazia, saiu para trabalhar. Marlene, como já era de se esperar, foi encontrar-se com o amante. Carlão, que desta vez, não havia se afastado da esquina, viu Marlene pegar um táxi.
Ele voltou ao apartamento. Em seguida chegaram Norminha e Zé. Os três conversaram bastante e acertaram os detalhes finais do plano. Norminha e Zé saíram para por mãos à obra. Carlão escreveu um bilhete, pegou uma pequena valise com uma muda de roupa e saiu batendo a porta do apartamento. Passou pela portaria, cumprimentou o porteiro e ganhou a rua. Nunca mais ninguém o viu por aquelas bandas.
No fim da tarde, Marlene voltou ao apartamento. Surpresa, ela encontrou o apartamento completamente vazio e apenas um bilhete dizendo: “Antes tarde do que nunca. Adeus”. Ainda atordoada, não conseguia entender o que havia acontecido.
Correu ao novo apartamento e ao chegar lá, viu uma mudança entrando. Mas, não era a sua mudança. Agora, estava tudo muito claro. Ela havia sido enganada por Carlão.
Voltou ao antigo apartamento completamente vazio e de lá, ligou para o Zé.
- Alô, Zé? Já entendi tudo. Mas, eu tenho meus direitos! – esbravejou ela.
- Direitos sobre o quê? – perguntou Zé.
- Sobre tudo o que é do Carlão. Meio a meio. – disse ela.
- E o que é que é do Carlão?- indagou Zé.
- O carro, o apartamento... Tudo! – berrou Marlene muito irritada.
- Que carro? Que apartamento? – ironizou Zé.
- Filho da mãe! Aquele idiota me passou para trás e vocês o ajudaram! Eu... – Marlene ouve um clique. - Alô! Alô!... Desligou!
Do outro lado, Zé e Norminha comemoravam o sucesso do plano.
No dia seguinte Zé entrou com o pedido de divórcio de Carlão. Sem bens a dividir, sem filhos e com as provas de adultério, o processo correu sem problemas e quando ficou concluído, Zé e Norminha foram dar a notícia a Carlão. Morando numa casa alugada na praia, Carlão nem parecia aquele de antigamente. Estava bem, mas ansioso para retomar sua vida e seu trabalho, sem temores.
-E aí trouxeram o despacho?- perguntou Carlão rindo
-Claro que trouxemos o despacho! O do juiz. – responderam, rindo também.
- E que DESPACHO!- disseram os três em coro e rindo.
E Carlão aliviado finalizou: – Este é o despacho que despachou a megera! -

2 comentários:

Unknown disse...

Gostei demais do final feliz : afinal, a galinha em questão nesse despacho não teve poder pra deixar o protagonista numa encruzilhada !...rsrsrs

Ana Lidia Pimentel disse...

Olá, Cats-Home !

Gostou do final ? Pois fique sabendo, que este conto baseou-se em um fato verídico ! Não conheci os protagonistas. Só a história.
Gostei das metáforas ! Galinha, despacho, encruzilhada... Muito bom ! Obrigada, mais uma vez, pelos comentários !!!

Bjs,
Ana Lidia.